domingo, 27 de dezembro de 2009

[12] Previsões?

Terminando mais um ano, insignificante e redutor naquilo a que nós chamamos vida e que não sabemos o que é nem onde acaba, olhamos sempre para trás e para a frente numa tentativa de fazer destes últimos dias de Dezembro um rescaldo ou um prólogo.

Poderia abordar o passado, aquilo que 2009 me ofereceu e me retirou. Mas não o vou fazer. Cada um sabe aquilo em que se envolveu, entre uma noite mal passada com a miúda que não conhecia de lado nenhum ou a promoção no emprego depois de bajular o patrão. Tantos exemplos poderiam aqui ser abordados. Entre o passado e o futuro, prefiro falar do futuro, porque é lá que vou passar o resto da minha vida.

Porque tem de o ser humano estar constantemente a prometer algo a si mesmo? Qual a razão de fazer planos para o ano seguinte? As resoluções de ano novo, preencher o calendário com objectivos a cumprir, os desejos inerentes a cada dentadinha na 5ª, 6ª, 7ª e 8ª passas que tem na mão? E que tal mandarem umas passas na noite de 31 para 1 e fazerem a vossa vida na mesma a partir daí? O novo ano não deixará de ter mais 365 dias, vai ser o fluir da ribeira de águas turvas a que chamamos rotina, onde só os audazes terão a capacidade de apanhar uma concha similar às de Santiago de Compostela numa parcela de águas límpidas. O ser humano comum continuará a ser o escravo do dinheiro, sacrificando-se todos os dias para se sustentar pelo menos a si próprio. Afinal de contas, nada de novo acontece.

Esqueçam os desejos, as resoluções, as promessas. Vivam, cumpram, sigam o vosso instinto, definam a vossa vida a cada passo que dão numa qualquer calçada portuguesa mal-arranjada por causa de um rato que mais parecia um coelho. Gritem quando a consciência diz para se calarem, pulem quando as regras dizem para se sentarem, riam quando a etiqueta manda chorar. Arriscado? Sim, claro.

E não tem o dobro da piada?

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

[11] Boas F€stas

Natal. Época de luz, de felicidade, de compaixão, de sorrisos e reencontros familiares. A cintilância dos espaços urbanos envoltos em luzes vendidas na loja dos trezentos, dando um toque familiar e acolhedor ao rigoroso frio que se verifica. Todos fazem as suas compras para a noite de 24 de Dezembro, acumulando sacos nas mãos ao longo dos intermináveis corredores de centros comerciais.

Natal, época de...dinheiro, gananciosamente descontrolado e escravizado. Senão vejamos. Que são todas as virtudes que referi acima comparadas com os milhares de Pais Natal fictícios espalhados pelo País e pelo Mundo? Eles gostam muito de ter a criança ao colinho, desde que lhes paguem o “x” prometido à hora. Notícias apontam para que cada português gasta em média 85€ em compras nesta altura do ano. Crise? O tanas. Quais serão os lucros das empresas de iluminação? De venda de pinheiros? Dos centros comerciais, com cerca de 50% maior afluência que no resto do ano? Das câmaras municipais? Das empresas de publicidade? Só posso dizer que estes devem ter as mãos a escaldar de tanto terem sido esfregadas.

O Natal é mais uma oportunidade de lucro para milhares de empresas, que se aproveitam da boa vontade religiosa e cultural das pessoas para facturar cada vez mais. O dinheiro manda cada vez mais. A pouco e pouco, este Mundo onde nós vivemos torna-se uma escravatura, já vivida em muitos locais, onde o rico só enriquece e o pobre só empobrece. Os pobres bem poderão reclamar, que o dinheiro dos ricos os hão-de calar de qualquer modo. E assim vivemos nós, sempre com um sorriso nos lábios, a deixar que nos caguem em cima, dia após dia.

É deveras mais preocupante o Mundo em que vivemos do que animadora a época natalícia de propaganda de uma felicidade e paz que nunca será possível enquanto a sociedade corrupta que nos comanda o continuar a fazer.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

[10] O Quadro

No cimo de uma colina, sopra a brisa tumultuosa que me faz baloiçar as pestanas. Na pureza do ar que respiro, avalanches vibrantes de uma calma descontrolada percorrem-me os poros, saltando como rãs em nenúfares. As poucas nuvens que pigarreiam o céu olham, desconfiadas, umas para as outras, esperando por um reencontro improvável. A humidade do solo arenoso e verde-acastanhado penetra na ganga dos meus bolsos rotos e à espera de uns trocos sem sequer tocar à campainha. Nas minhas mãos, um qualquer rasto esverdeado deixado por uma silva escanzelada impele marcas visuais e olfactivas. E enquanto miro a linha do horizonte, impávida e poderosa, tu lá estás na minha imaginação, frágil e frontal, bela e simples, completa e misteriosa. Os teus olhos traçam setas, apontadas ao meu ego, na procura lunática de descobrir o que se passa dentro de mim. Os teus cabelos ao nível do pescoço balouçam como pêndulos constantemente impulsionados na alteração da paisagem perfeita.

As minhas mãos enterram-se no solo enlameado, enquanto o meu coração bate mais forte, coincidindo com uma brisa mais forte que me injecta arrepios na espinha dorsal. As codornizes levantam vôo na ávida procura de um melhor local para estar e aninhar as suas crias. As folhas caídas de Outono rebolam no chão como ratos assustados, enrolando-se nas minhas pernas por breves instantes antes de seguirem caminho para uma qualquer ribeira. Nesta imagem dignificante de um qualquer quadro à venda numa loja chinesa, estamos nos dois lados da barricada. Pensamos, olhamos, atingimos, respiramos, bombeamos, vivemos. Percorremos o mesmo caminho mas nunca nos cruzamos. Respiramos o mesmo ar mas nunca tornamos a nossa boca numa só. Vivemos no mesmo mundo mas nunca nos tornámos um só. Quando abro a tua porta, tu fechas a minha. Se eu te ofereço uma rosa, preferes magnólias.

Eu deito-me no húmus peganhento, respiro fundo, olho à volta e nada mais vejo senão o céu. Após me recompôr e sentir-me de novo voltar ao normal com umas calças imundas, apenas me pergunto:

Quem és tu?

sábado, 28 de novembro de 2009

[9] À procura

Sinfonias. Melodias. Composições. A suavidade de uma guitarra no cruel contraste com um baixo. A sensação espairecedora de um violino a chocar violentamente contra uma bateria sem afinação. A assunção do piano como uma qualquer escadaria que as nossas mãos percorrem na procura do piso ideal. O contrabaixo numa pancada seca no nosso tímpano, mas ao mesmo tempo tão fluido na maneira de preencher o vazio sonoro. Fazer música nunca deixará de ser um experimentalismo. E a mais ambiciosa será sempre a melhor. A mais arrojada, corajosa, audaz e tenaz na forma de procurar a conjugação perfeita de harmonias e vibrações representadas num sistema hertziano.

Desse modo, porque é “vendida” mais música a quem mostra a perna em videoclips executados em estúdios aberrantes onde o conhecimento musical se pode reduzir a um nível desprezante? As estratégias delineadas em escritórios cheios de empresários ávidos de mais moedas nos bolsos são ridículas, mas mais ainda se torna o consumidor ao fazer aquilo que eles querem. Senão olhemos. A rádio chegou a um estado de podridão musical que levou a que eu me recusasse a usar qualquer tipo de dispositivo desse género. Os videoclips inundam as televisões com pernas bem depiladas e estúdios exageradamente decorados com paisagens afrodisíacas ou megalómanas. Os artistas dão concertos e autógrafos, circundados por gritos histéricos de raparigas descontroladas sem a mínima noção do insípido. E a música? Ah, é o pano de fundo de um teatro bem representado por profissionais da maquilhagem e estética com o pleno objectivo de escravizar o público-alvo. Muito e muito obrigado caros artistas da música actual, ainda não sou estúpido o suficiente para vos ouvir, ver ou, muito menos, comprar.

Todos os dias pesquiso música de qualidade. Todos os dias consigo encontrar um grupo com ambição baseada numa experimentação musical pronta a atingir algo novo. Todos os dias deparo-me fã de um grupo que, quando o identifico a um qualquer amigo meu, me faz ouvir um “quem? desconheço”. Assim continuem, no vosso caminho alternativo até alcançarem o vosso próprio ego, que eu cá estarei para vos ouvir.

Porque, por muito estranho que pareça, há tanta música boa por aí. Ela só não nos chega aos ouvidos.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

[8] Cura ou doença?

Já afirmavam, no fim de uma música, os Ornatos Violeta: “Para nos lembrar que o amor é uma doença, quando nele julgamos ver a nossa cura”. Até que ponto esta afirmação, inserida numa das minhas melodias favoritas de sempre, poderá ter o seu traço de razão? Ou talvez melhor ainda, porque já interpretei eu esta frase como fantástica e, noutro espaço temporal, como um disparate? Os estados de espírito que nos conduzem através dos carris da vida levam-nos a puxar a brasa da mais adequada maneira à nossa sardinha. Quem, no seu perfeito juízo, poderá olhar-se ao espelho, todo engatatão e preparado para um jantar com a sua amada, e afirmar que aquilo que está a viver é uma doença? “Não! Tudo isto é o conto de fadas com que sempre sonhei! Chegou aqui a cura para os meus problemas no trabalho, com a família, com o cão...”

Nem mais. A “cura” que nos possivelmente levará a ter atitudes de ciúme, de vingança e de escárnio para alguém que se possa intrometer na relação. A mesma cura para a ansiedade acumulada por não responder ao telemóvel e os conseguintes pensamentos de traição e de desconfiança. Calma. Quantos “pecados” já eu li aqui? Uns quantos, nada agradáveis. De qualquer maneira, não vou defender a teoria dos Ornatos.

O amor tem a capacidade de surpreender. Quer à pessoa amada, quer à pessoa amante. Sei o que é amar. Sei como bate o coração, “aquele” bater de coração que nós identificamos como único mas que não nos importamos de ter. Sei da tal ansiedade, do querer que do outro lado haja exactamente o mesmo que no nosso. Sei, acima de tudo, do que sou capaz. E o amor é capaz de nos tornar loucos. Loucos por nos fazer pensar tanto e tão pouco. De nos fazer pensar e não dormir toda uma noite por causa duma atitude impulsiva e não-pensada que foi tomada quando estávamos com a outra pessoa. O sentimento da mais ínfima possibilidade em perder essa segurança do nosso sistema circulatório possui-nos e descontrola-nos no nosso kharma. Podemos perder o nosso ego, mas não aquilo que mais amamos.

Muitos dos que possam ler este texto podem não saber do que estou aqui a teclar, porque podem nunca ter vivido aquele batimento cardíaco falhado quando aquele “alguém” aparece repentinamente. Mas aqueles que já o viveram, sabem, concordam ou discordam com o que escrevo. Porque o amor é complexo e personalizado, funciona de acordo com o ego de cada um. Mas uma coisa é certa.

Cura ou doença, o amor não só define os nossos limites, como os extrapola a um nível onde nada nem ninguém poderá, um dia, experienciar.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

[7] Tempo, temporiza-te...

Como controlar o tempo? Esse factor determinante na nossa rotina é tão definido, pela noção geral do que é um segundo, minuto, hora, dia ou ano. Mas e o tempo na nossa cabeça? Porque associa o nosso cérebro a sensação de que a ampulheta passou a ter um orifício maior quando estamos num estado de espírito de acordo com aquilo que queremos? Porque vemos o mesmo orifício fechar-se em situações de cansaço ou infortúnio?

Poderia aqui abordar a relatividade do tempo. Einstein definiu que “tudo é relativo”. Estaremos nós a abordar a relatividade ou a psicologia do tempo? Existe, na nossa sociedade, o conceito dos “factores psicológicos”. A dor, o frio, o calor, até o tempo. Tudo é psicológico, até prova em contrário. E assunto arrumado. É psicológico.

O tempo que senti esvaziar neste parágrafo anterior deveria ser abordado com uma certa reflexão e assumir que será pertinente questionar-me o porquê de escrever em vez de dormir a esta hora. Ao mesmo tempo, deveria ter a noção de que não sei quanto tempo da minha vida se perdeu neste bocado. Apenas o senti útil. Se o fiz, provavelmente passaram mais segundos que aqueles que eu esperaria.

Não passaram.

Fazendo um flash-back na minha memória, consigo observar-me em diferentes slides da minha vida a dizer que “este ano passou a correr” e que “ainda falta um mês para acabar as aulas”. Não haverá aqui uma pequena, se não muito grande, incongruência? Eu penso que sim.

O tempo foi definido há uns séculos, e este é ajustado por um relógio que, segundo sei, ainda se encontra em Paris. Tudo o que vem depois, todas as noções de inflexibilidade, incompreensão e desajustamento psicológico das pessoas em relação a esse tema vêm do nosso próprio cérebro. É a nossa psique que se sente ou não confortável com aquilo que executamos, dia após dia, no nosso ambiente, lidando com outras pessoas. Daí que um certo ser humano possa assumir que uma hora e meia de um filme sobre vida animal passa como um flash, e outro ser humano se deixe dormir. Muito provavelmente, quando acordar, este surpreender-se-á com o tempo que passou. Eu limito-me a deixar o tempo seguir no seu curso natural. O tempo oferece experiência mas retira saúde, a ritmos diferentes, de acordo com o organismo de cada um. Consome-nos por dentro até sermos capazes de nos aperceber que o tempo é um animal monstruoso que nunca parará, por maior que seja a revolução ou o apocalipse.

E um dia, qualquer pessoa render-se-á ao tempo por perceber que este é indestrutível.

domingo, 15 de novembro de 2009

[6] Puzzles

Certo dia, encontrava-me eu a meio duma complexa viagem num qualquer local estrangeiro cheio de monumentos para ver. Argumentava com um amigo meu o porquê da inquietação e desconcertância de outros amigos nossos em pular de monumento em monumento, sob pena de perder para sempre a oportunidade de ver, com os próprios olhos, aquele edifício que se encontra na pág.34 de “O Roteiro de Banguecoque – ilustrado”. Nunca consegui descortinar essa certa obstinação em ver tudo, como se não houvesse dia seguinte.

Ver é uma coisa. Apreciar, sentir, observar é outra. Em turismo, como em qualquer outra experiência da nossa vida, é essencial saber apreciar. Em frente a um museu, deparei comigo e com o meu amigo, sentados e calados em frente a esse edifício a contemplá-lo. Porque, por mais cliques que o obturador da máquina dê, nada compensa o sentimento que aquele lugar nos transmite. E locais especiais não faltam.

Quem se limitar a coleccionar documentos fotográficos de muitos locais diferentes vai deixar passar o sentimento de que tudo foi rápido demais. A vivência resultante da apreciação silenciosa do local irá passar para o nosso interior a força de um momento, a importância de um monumento. Quem me conhecerá poderá afirmar: “então mas nunca te vi fazer tal coisa!” Pois, é bem verdade. Quando tenho esses momentos, é muito raro ter alguém perto de mim pela simples razão de extrapolar esses momentos “turísticos” para momentos de reflexão comigo mesmo. Há pessoas que podem interiorizar-se observando as estrelas, o sol, a lua. Até a própria parede do seu quarto. Eu tenho o meu cantinho. Algures nos sítios que considerei especiais à volta do Mundo, eu reservei e partilhei o sótão do meu cérebro por sentir-me seguro, confiante e confidente.

Saber apreciar é saber viver. O esplendor de determinados momentos espelha-se no nosso interior como mais uma peça do puzzle que nos permitirá descobrir a nós próprios.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

[5] Sonhar

É sob esta pálida e insinuante luz amarela-torrada que me ofusca as órbitas que me permito deambular nas ruas do meu ser. Nas ruas do Mundo. Obtendo odores, sensações e tactos nunca antes sentidos. O carisma de locais simultaneamente arrogantes e soporíferos reflecte-se na assimilação de torrentes invulgares de adrenalina que testam as nossas capacidades sanguíneo-circulatória e nervo-cerebral. Olhar adiante nos nossos horizontes não é sinal de sonambulismo consciente ou de lunatismo invertebrado. É ambição, é poder, é determinação em atingir o alvo a que nos disponibilizamos acertar com arco e flecha na mão.

Enquanto a luz se mantém, tremeluzente, a reproduzir e a importunar o nosso cerebelo, já o lunático que é a nossa pessoa avançou na máquina do tempo e sonhou alcançar aquele momento em que se descobre no meio duma areia movediça e onde, seguindo a reacção instintiva de pânico humano, se afundará ainda mais, perdendo-se para sempre. Quando não produzir qualquer movimento seria a reacção mais sensata.

E que mal faz sonhar? Mesmo que seja a areia movediça, nós não estamos lá. Então e se for algo maravilhosamente fascinante? Que a beleza das flores holandesas no meio dos aromas silvestres seja o palco de uma viagem romântica com a mulher mais bela com que se sonhou ou com quem já se tenham partilhado momentos inesquecíveis? Que se dê a mão e que se sinta o suor nas nossas palmas e nos dedos entrelaçados, enquanto percorremos o túnel da vida, que lá ao longe nos trará a luz da felicidade eterna na cegueira genericamente associada a tudo ao que está ao nosso redor. Que tudo o resto vá para o inferno, porque eu agora estou..

...a ouvir a merda do despertador.

Sonhar sempre me deu a capacidade de sorrir e de me ver ao espelho gesticulando ridiculamente e troçando de mim enquanto eu me mantinha prostrado em frente a este. É a aplicação normalizada do funcionamento da nossa mente em alta rotação mesmo enquanto dormimos.

Sonhar é poder e quem não sonha, nunca certamente alcançará seja o que for.

sábado, 7 de novembro de 2009

[4] A Chave

Quando, em certo panorama social, surgem propostas e conversas entre amigos, verifica-se muitas vezes, por mera curiosidade, a seguinte: “Então e se te pudesses caracterizar, como o farias?” Quem já não pensou naquilo que é ou não deixa de ser. As teimosias, as superstições, a simpatia, o “amigo do amigo”, a coragem, a maluquice. Enfim, um sem número de qualidades ou defeitos que eu levaria uns quantos dias a transcrever.

As pessoas têm por hábito não se auto-caracterizarem pela simples razão de não terem a capacidade de se observar a si próprias. De acharem, com razão, que serão as outras pessoas a fazê-lo com mais rigor. E serão com certeza, porque nós não podemos ser o leão na jaula e o turista de máquina fotográfica ao pescoço ao mesmo tempo. Eu defendo, apesar de tudo, uma perspectiva diferente. Sinto, através do meu “círculo” de amigos, que nunca me auto-caracterizei, nem nunca comentei o que outros possam ter usado para me definir. Primeiro que tudo, não me sinto confortável com o facto. Segundo, limita-me. Definirmo-nos no nosso carácter limita as nossas acções. Torna-as susceptíveis de serem avaliadas de modo azedo ou agradavelmente surpreendente porque “ele é assim, logo não deveria ter feito aquilo”. Se me auto-caracterizo de impulsivo e se fico impávido e sereno a assistir a uma cena de pancadaria pela qual sou responsável, o senso comum iria olhar para mim e não entender o que se passaria, porque o que deveria acontecer era eu arrear dois socos a cada um. Ou pelo menos tentar.

Neste momento, não me dirijo a ninguém em particular. Apeteceu-me deambular neste tema ao mesmo tempo que me recordava de uma frase que li num livro de Pascal Mercier, que acabei por relacionar com o tema da auto-caracterização: “A cegueira e ignorância alheia é a minha garantia de segurança.”

Deve haver dentro de nós uma caixa-forte onde ninguém consegue entrar, onde uma certa percentagem do nosso eu deve ter o seu espaço e o seu repouso. Mas, como é óbvio, temos a possibilidade de dar a chave a alguém para nos afirmarmos totalmente perante alguém da nossa confiança. Nos interstícios das possibilidades, temos a tomada de decisão.

E a minha decisão foi mandar a chave fora há um belo tempo...

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

[3] 21.12.2012

O fim está próximo. Aproxima-se o apocalipse, a fúria dos deuses que irão devastar e reduzir a cinzas tudo o que a humanidade tratou de empilhar ao longo de séculos. Os efeitos são imprevisíveis. Uma catástrofe de proporções inimagináveis avista-se no horizonte da mente de religiosos, cientistas e alguns lunáticos. Na nossa (in)vulnerabilidade, nada travará a Natureza e os seus efeitos nefastos que, sem aviso prévio, atacarão e arrancarão as raízes do ser humano.

Estamos em 2009? Então mas, pensei que estávamos em 1999 e que tudo isto era previsto para o ano 2000. Que desagradável, tenho de acertar o meu relógio. Isto de andar com o horário maia num lado e o horário fenício no outro troca-me as voltas.

Os Maias fizeram previsões. Um ciclo acabará para os Maias na data de 21/12/2012. Óptimo. Eu não sou Maia. Que comece um novo ciclo para os Maias no dia 22/12/2012 que eu vou comprar, à pressa e como sempre, as prendas de Natal para a minha família. E já agora, que o aquecimento esteja ligado em casa, porque essa altura é tramada para as frieiras. Uma lareira, um chocolate quente e um bom jazz e tenho um serão perfeito.

Um “iluminado” chinês não consegue prever para lá dessa decisiva e fantasmagórica data. Ele que continue. Eu um dia também acertarei no estado do tempo para o dia seguinte. Não desista, senhor de olhos em bico. Ah, o senhor já faleceu. Alguém há-de não desistir por ele. Posso ficar descansado com esse facto.

Um alinhamento fora do normal tomará supostamente lugar entre a Terra, o Sol e a Via Láctea, onde mora um desmesurado buraco negro. Poderá afectar catastroficamente o campo magnético da Terra. Os pólos inverterão a sua posição e tudo levará ao apocalipse que referi no início. Não me posso afirmar um técnico dentro da astronomia, mas posso afirmar que esta teoria ganha muito mais força para os lunáticos quando há “profecias” por detrás. Tomam-na muito mais a sério, não é? Pois é. O medo vende, e não é pouco. E para termos a certeza que assustamos, mandamos umas...seis, não. Oito profecias ao mesmo tempo. Com oito convencem-se o resto das velhinhas cépticas que irão ficar na sua casa quando chegar o momento da verdade, ou da decisão, ou de mais um falhanço dos suprasumos das profecias.

Tanto sapo azedo engoliram quando, infelizmente, o Mundo continuou o seu rumo natural no ano 2000. Agora, como já caíu no esquecimento, arranjamos outra. E se não for em 2012, em 2029 cai-nos um meteorito em cima. Aí é para haver a certeza final de que não sobrará ninguém no planeta. Não são “profecias” que irão convencer seja quem for. Primeiro que tudo, uma “profecia”, palavra tão pomposa e bonita, não passa de uma simples previsão. É baseada em estudos e análises de acontecimentos passados. “Profecia” apenas ganha ali alguma conotação religiosa que, no fim, até consegue impôr respeito, como se algo de espiritual se tratasse.

Previsões, muitos intelectuais e burros as podem fazer, com ou sem fundamento teórico. Se esse dia fosse importante, estaria na Bíblia, eu estaria informado disso desde o dia em que nasci, a data estaria espalhada no Mundo inteiro e medidas de precaução a nível global estariam tomadas. Os suicídios, as viagens espaciais para outra galáxia, os seguros de vida e os despedimentos teriam aumentado. Bela noção de caos. Gosto mesmo de divagar em coisas que não fazem sentido. Entretém-me.

Em 2013 logo escrevo sobre isto outra vez.

sábado, 24 de outubro de 2009

[2] Infinito

O infinito. Uma das palavras mais fáceis de usar e, para mim, das mais difíceis de definir. Posso recorrer a um dicionário e ler qualquer coisa como “algo sem fim”. Porém, para mim, tudo tem um início e um fim. E será que alguém me convence do contrário?

Tão fascinados ficam os alunos na escola quando usam aquele “oito deitado” (∞) e representam o infinito. E então? Só porque o número não cabe no caderno diário passa a significar que é “infinito”? Pode ter 890 dígitos, pode ser um valor monstruoso, mas existe e tem um início e um fim. Tão inóspita é a situação da matemática como é a das físicas e o consequente estudo do Universo. Até onde vai o Universo, neste complexo e cósmico conjunto de galáxias e planetas? Para o infinito. Que maneira tão simples de resolver um belo problema de cálculos. Se nos perguntarem quão grande é o Universo, dizemos que este se está a expandir para a infinidade. E esta é inquestionável, porque não encaixa na mente das pessoas e estas estão descansadas com esse facto.

As coisas foram feitas para ter um início e um fim. A vida conjuga-se com a morte. O casamento, se não terminar com um divórcio, termina oficialmente com nova morte. Um contrato já é assinado sabendo quais as indemnizações inerentes associadas à sua cessação. Um carro já é comprado de acordo com o possível retorno do mesmo alguns anos depois. Um apito define o intervalo de um jogo.

Este texto vai ter um fim daqui a umas linhas. Por muito que escrevesse e escrevesse durante toda a minha vida, haveria um momento em que, após ter chegado o meu fim, poderiam aceder a este ficheiro e ver os seus limites.

O infinito é um fenómeno criado há muitos séculos por cientistas e intelectuais, que viram nesta palavra a saída para muitos problemas encontrados na resolução de problemas matemáticos e astronómicos. A sua utilização perante a sociedade não passa de um puro acontecimento metafórico e quem declare que este existe, deve iniciar uma viagem espacial à sua procura para me trazer provas. Pena que a viagem para o infinito tenha uma duração e distância infinitas, pelo que já cá não estarei para me convencer disso.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

[1] Preâmbulo

Quem diz preâmbulo diz prefácio, ou prólogo, ou então início. Inicia-se aqui mais uma caminhada ao longo dos meus nervos cerebrais que, teimosamente, continuam a enviar informação a mais e a congestionar o meu pensamento. Depois de, sarcasticamente, verificar a insolubilidade do meu problema, meneei a minha cabeça, verificando que poderei dar asas à escrita e deixá-la espairecer pelas entranhas do meu ser. Sobre que irei escrever? Pense em algo ridículo.
Acertou.