Na escuridão de um quarto abandonado, o silêncio preenche os interstícios da minha alma. Petrificado pela gélida brisa que entra pela janela, um pequeno barulho insere-se nos meus tímpanos como ratos à procura de queijo fresco. Uma frágil luz azul-turquesa brilha no tecto, apesar de arrogantemente poderosa para distribuir uns poucos watts neste bocado de casa rocambolesca. Não muito longe de mim, um suspiro espalha-se no ar como pó soprado de um livro de fábulas de La Fontaine. Seguindo o seu trilho, mas esmagado pelo poder do silêncio que ainda se abatia nas minhas costas fui, pé ante pé, desafiar a cinética de um soalho destruído pelas traças que retiraram prepotentemente camadas de protecção.
Descobrindo a origem do suave suspiro, e intrigantemente inclinando-me na direcção do soalho, a simples rotação da minha rótula parece alterar uma paisagem sonora perfeita. Mas não posso deixar de a desafiar. Ao ajoelhar-me, o suspiro parece chamar-me como uma borboleta pedindo por ajuda para soltar as suas asas. A tentação de descobrir, de viver algo novo, de partilhar novas sensações, espezinha-me como um gigante adormecido de volta da penumbra.
Sentir os teus cabelos finos como crina de cavalo, a tua pele macia como uma pena esbelta e a tua tranquilidade a dormir apenas com um lençol apesar da gélida brisa, encantam-me. Quero acordar-te. Retirar-te desse descanso para te dizer que aqui estou, como nunca estive no meu consciente. Não posso fotografar, limitar-me-ei a tatuar tais segundos na parcela memorizável do meu cérebro.
E aqui se poderia dizer, meus caros, que já poderia acordar depois deste cenário de um conto de fadas. Pois, mas com algum orgulho, com alguma expectativa, vou dizer-vos: “Sim, agora posso ir dormir.”