segunda-feira, 22 de outubro de 2012

[66] Chuva

Chuva. Criadora de paisagens reconfortantes e de ambientes intimadores. Ela bate na janela como que a pedir para entrar, ou como a dizer “estou aqui”, solitária e isolada. Vejo-a isolada no seu espaço, como eu que a miro pelo telhado deste prédio da época do Estado Novo. Água como penetrante em tudo o que é material, como ideias a impregnarem-se na minha cabeça decidida a não decidir o que decidir. A deixar-se levar se a estrada for descendente e a recuar se for ascendente, as minhas ideias progridem para a sua concretização se se assemelharem como imaginativas, mas não como retrógradas. Tiro uma fotografia a este vernáculo de física, comparando-o com tudo aquilo que nos rodeia. Memorizei a fotografia e desci até à rua, serpenteando por becos e deslizando por escadarias fora de escala. 

Por vezes, resta a cada um de nós, após a surpresa da inundação, vedar cada brecha com aquilo que nos forma: carácter, personalidade, mas também alguma flexibilidade. Porque, seja como for, haverá sempre algum local onde a água passará, num ponto fraco nunca antes pensado e calculado mesmo pelo mais competente dos engenheiros. E haverá sempre aquele ponto fraco que, depois de reparado, será sempre mais frágil que aquele que é infligido pela primeira vez. Mas quem nunca deixar entrar água também se manterá naïve numa sociedade de espertalhões.

Antes que cada um de nós se recuse a ir para a rua levar com chuva, convém saber onde entrará água, e onde, antes que qualquer outra coisa, poderá entrar chuva pela primeira vez, criando um arrepio assustadoramente agradável. Porque mais vale sair ensopado mas evoluído, do que com chapéu-de-chuva e ingénuo.  

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

[65] Predição

“A predição é muito difícil. Principalmente sobre o futuro.” Esta frase pertence a Niels Bohr, proferida no início do século XX. Apenas por si só, predizer já pressupõe uma vaticinação ou uma profecia. Mas tal raramente nos leva a um porto seguro, como vemos nas profecias sobre 2012. O facto de nos predizermos apenas nos leva a pensar num ponto actual onde qualquer um de nós se encontra, até a um outro ponto a uma certa distância após um determinado tempo. Um planeamento. Os melhores sempre se destacaram pela capacidade de antecipação e de conjectura do futuro, numa tentativa simulada de tentativa e erro em intervalos de horas, dias ou meses.

Como em tudo na vida, existem margens de erro e de descalabro. Os que se obcecam pelo planeamento do futuro, forçando-o. Os que o ignoram, deixando-se levar na corrente a caminho do riacho de ouro ou de lixo químico. Os que nem sabem o que é, derivando num mar sem ondas a caminho de ponto nenhum. Os que o encaram com ligeireza, e com possibilidades de ser surpreendidos perante ambos os prismas. Tanta pessoa, tanto futuro, tanta combinação improvável de magia ou de sombria e imaculável pobreza de espírito. O mundo em que vivemos baseia-se numa mazela de pobrezas de espírito onde algo brilhante nos surge esporádica e radicalmente.

Não há que forçar brilhos, não há que forçar futuros. Há que viver o presente, com capacidade de vaticinação. Há que enganar os planos e trocá-los de ordem. Mas acima de tudo, há que ter a noção se estamos em condições de vaticinar. Eu não estou. Logo, não vaticinarei sobre a minha vida e negligenciá-la-ei com todas as minhas forças, pronto a surpreender-me a ser surpreendido!