Chuva. Criadora de paisagens reconfortantes e de ambientes
intimadores. Ela bate na janela como que a pedir para entrar, ou como a dizer “estou
aqui”, solitária e isolada. Vejo-a isolada no seu espaço, como eu que a miro
pelo telhado deste prédio da época do Estado Novo. Água como penetrante em tudo
o que é material, como ideias a impregnarem-se na minha cabeça decidida a não
decidir o que decidir. A deixar-se levar se a estrada for descendente e a
recuar se for ascendente, as minhas ideias progridem para a sua concretização
se se assemelharem como imaginativas, mas não como retrógradas. Tiro uma
fotografia a este vernáculo de física, comparando-o com tudo aquilo que nos
rodeia. Memorizei a fotografia e desci até à rua, serpenteando por becos e
deslizando por escadarias fora de escala.
Por vezes, resta a cada um de nós, após a surpresa da inundação, vedar
cada brecha com aquilo que nos forma: carácter, personalidade, mas também
alguma flexibilidade. Porque, seja como for, haverá sempre algum local onde a
água passará, num ponto fraco nunca antes pensado e calculado mesmo pelo mais
competente dos engenheiros. E haverá sempre aquele ponto fraco que, depois de
reparado, será sempre mais frágil que aquele que é infligido pela primeira vez.
Mas quem nunca deixar entrar água também se manterá naïve numa sociedade de espertalhões.
Antes que cada um de nós se recuse a ir para a rua levar com chuva,
convém saber onde entrará água, e onde, antes que qualquer outra coisa, poderá
entrar chuva pela primeira vez, criando um arrepio assustadoramente agradável.
Porque mais vale sair ensopado mas evoluído, do que com chapéu-de-chuva e
ingénuo.