sábado, 29 de maio de 2010

[27] Vinte e Oito

Um. Dois. Três. Quatro. Cinco. Seis. Sete. Oito. Nove. Dez. Onze. Doze. Treze. Catorze. Quinze. Dezasseis. Dezassete. Dezoito. Dezanove. Vinte. Vinte e um. Vinte e dois. Vinte e três. Vinte e quatro. Vinte e cinco. Vinte e seis. Vinte e sete. Vinte e nove. Trinta. Trinta e um. Trinta e dois. Trinta e três. Trinta e quatro. Trinta e cinco. Trinta e seis. Trinta e sete. Trinta e oito. Trinta e nove. Quarenta. Quarenta e um. Quarenta e dois. Quarenta e três. Quarenta e quatro. Quarenta e cinco. Quarenta e seis. Quarenta e sete. Quarenta e oito. Quarenta e nove. Cinquenta.

Imagino que você será apenas mais um dos que não leu o anterior parágrafo até ao fim. Perguntando-me porquê, tento chegar à conclusão de que o ser humano não gosta de rotinas ou de acontecimentos previsíveis, baseados num mesmo molde existencial. Da mesma maneira que se chegaria ao cinema e, num qualquer ecrã gigante poeirento, nos passassem os últimos cinco minutos do filme que iríamos começar a ver. Por mais acostumados que estejamos a uma rotina que até nos pode satisfazer psicológica, emocional ou mesmo até financeiramente, a sensação do “novo” arrebata-nos. Da mesma maneira que chamou a atenção o título do texto não coincidir com a numeração suposta. Como o miúdo de cinco anos que vê o mesmo super-herói que tem na mão a ser anunciado na televisão, pintado de outra cor. É diferente. E vai querê-lo. E em muitas das vezes, vai tê-lo.

Enquanto lentamente chegamos a adultos e ganhamos capacidade intelectual e cognitiva, o querer algo novo pode chocar contra a segurança do existente. A segurança da rotina com a qual sabemos que podemos ser felizes. Aquela que podemos abdicar para tentar chegar a algo melhor. E falhar. Uns lutarão por algo novo e arriscam. Outros acomodam-se. Com o devido respeito, aceito qualquer uma das opções.

Eu gosto de arriscar. Gosto tanto que até poderia apostar que não foram assim tantos a perceber que no meio da rotina recambulesca do primeiro parágrafo, faltava o número vinte e oito.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

[26] Miragem

Sinto o suor a descer pela minha cara, sentindo o seu sabor, impavidamente, a penetrar e a vandalizar o meu paladar. As gotas que escapam enterram-se num areal sem fim, a caminho do abismo da espécie humana. O buraco negro que está debaixo dos nossos próprios pés pode estar protegido por uma camada finíssima de vidro, onde cada passo em falso pode ser o fim. Mas num deserto como este, onde o calor torna cada pegada um tormento e onde cada brisa escaldante é um sinónimo de esperança, parar é morrer. Olhar para o rasto que deixámos para trás não é nem suficientemente encorajador nem melancolicamente belo.

O ser humano que conseguir estar num deserto sem olhar para trás uma única vez, não tem sentimentos. É uma máquina controladora de pulsações, que não pode registar as suas próprias, por não as ter. É gelado como o suor que escorre pelas minhas costas neste inferno. E quem assim é, arrepender-se-á de algo na sua vida. Os que olham algumas vezes para trás são os mais sensatos. À procura de um oásis que possa ter escorregado na ponta dos dedos. De uma gota de água que injecte força e esperança. Tentando ser racional no meio do caos, ludibriando regras e preconceitos, alcançando alguma coisa, por mais pequena que seja.

Mas cada vez mais me apercebo, enquanto faço uma pausa, que haverá sempre alguém na minha vida a querer tirar-me do deserto, e que haverá sempre alguém a querer deixar-me aqui. Eu entendo tudo isso. Pertinentemente me abstenho e deixo a minha mente decidir. Porque ainda é ela que decide. E apesar de ela estar a ferver no meio deste forno à escala interplanetária, ela já teve as miragens que tinha a coleccionar. Foram belas imagens de água engarrafada a saír de um frigorífico Ariston, e de um banho tomado em imersão, com jactos de água a corresponderem com precisão nos músculos das costas que mais necessitavam de relaxar.

Miragens, todos nós temos. Mas é quando assentamos o nosso belo, pequeno, grande ou majestoso cu no chão, bem lá no fundo, que sabemos onde estamos. E que nos apercebemos que a vida é um inferno e não um conto de fadas. E nessa altura, os que se safarão sem um arranhão serão os inteligentes, os perspicazes e os calculistas.

Isto claro, além dos que queimaram o rabo.

domingo, 9 de maio de 2010

[25] Circo

Quem olha para a actual situação deste País pequenino cheio de recantos adornados e magníficos imagina-se num teatro onde, numa mesa polida de mogno, vários palhaços se fazem passar por ministros. A única diferença para a realidade não reside nos palhaços. Reside no facto de que eles são mesmo, infortunadamente, os nossos ministros.

Onde se juntam em Conselhos de Palhaços, “tomando medidas” em relação às moedas que tilintam contra o mogno, como se não fossem deles. Pois, são nossas. Onde olham para as mesmas moedas e pensam que podem, com essas mesmas pobres moedas pretas, comprar uma mesa três vezes maior, de cedro japonês, abrilhantada por um vidro reflector emoldurado em ouro. E não podem mesmo! Curioso. Mas a mesa ficava tão bem ali! Querem comprar na mesma. Mas que podem eles fazer? Oh...pedem emprestado. E aí está uma mesa gira, sem moedas no meio.

O tempo passa e os palhaços acham que podiam comprar uns filtros para os pés da mesa. Ela está a fazer muito barulho. Que chatice. Quem manda o palhaço gordo estar sempre a mexer a perna? E também, são só uns filtros. É só mais um pequeno empréstimo. Diriam eles insignificante.

Entretanto, vendo que a situação se complica para os palhaços, um deles, que diz que percebe mais de trocos, vai à rua pedir alguns a uns transeuntes que passavam descontraidamente. Ninguém dá. Estranho. Então assalta-se. Já está. Um saquinho cheio de moedas para a mesa maior, de cedro japonês, abrilhantada por um vidro reflector emoldurado em ouro. Que podem os palhaços comprar agora? Talvez umas cadeiras a combinar com a majestosa mesa. Ou umas almofadas, para o rabinho dos palhaços não ficar marcado após horas de incansável dedicação.

Os palhaços são isso mesmo. Personagens cómicas e, ao mesmo tempo, burlescas, trabalhando para um circo que os aplaude e os reelege como palhaços principais. E eles continuam a divertir-se, a eles próprios e a nós, com corninhos e com “manso é a tua tia pá”, enquanto nós aplaudimos e gritamos “bis”.

Só pergunto. Que País..erm, peço desculpa, que Circo é este?

domingo, 2 de maio de 2010

[24] Ela

Ela. Ela é que me engana. Que me leva pelos caminhos errados com atitudes desmesuradas. É bela, mas nem por isso sublime. Nem muito esguia nem muito larga, roça a mais comum das formas. Mas gosto dela como ela é, até porque tal não se muda. Concentrada mas, por vezes, desviante, desconcentra-me daquilo que mais é essencial. Ela é teimosa, mas a moldagem ainda é um atributo que consigo concretizar. Impulsiva e comunicativa, nunca desiste de nada. Insiste em tudo o que é mais enriquecedor. Identifico-me com ela mas gostava de mudar certas coisas. Mas é isso que me fascina nela. A capacidade de querer sempre algo mais apesar de ver os carris do comboio e ler “fim da linha”. Orientar-me por ela é como segurar numa bússola com a guia partida. Posso não saber que caminho tomar, mas ela seguramente indicar-me-á um. Costuma dizer-se que elas, normais, têm qualquer coisa de excepcional. Se ela é normal? Acho que ninguém se consegue caracterizar como “normal” pela subjectiva definição do próprio conceito a ele associado. Não. Ela não é normal. É maluca também. Maluca até que ponto? De fazer qualquer coisa. “Qualquer”, como assim? Pense em “qualquer coisa”. Ok. Saltar dum arranha-céus? Sim, vejo-a a fazer isso. Ela é mesmo assim. Pronta a surpreender, e eu não posso dizer que sou um ser surpreendível. Não gosto quando ela mete aquele ar de calculista. Perigosa, antecipadora, controladora e perspicaz. Mas sinto-a na necessidade de o ser. Em determinado tipo de situações. E é por isso que a apoio.

Nem sempre a entendo. Ela faz-me pensar e pensar. Até perder o sono e encontrá-lo noutros recantos umas horas mais tarde. Faz-me palpitar o coração. Mas porque tem ela de me descontrolar desta maneira? Porque gosta de o ser. Porque está ligada a mim de uma maneira da qual eu não consigo separar, por mais que eu tente. Será que esse momento chega e sou capaz de me ver livre dela? Talvez sim, talvez não. Mas tudo o que escrevi não apoia a ideia de que realmente o quero fazer. Vêem? Ela descontrola-me.

Que tramada é ela. Que tramada é a minha cabeça.