Certo dia, vagueva eu pelas ruas de uma cidade alemã cosmopolita quando, meneando a cabeça, avistei um velho vagabundo apoiado nos corrimãos de uma ponte, olhando para o rio ondulante e estrábico na mescla de sensações que transmite. Intrigou-me o passar do tempo, em como desperdiçá-lo desta maneira quando há tanta bela coisa para sonhar e realizar. Ali, quebrando parte da circulação sanguínea junto aos cotovelos, com os seus imundos e curtos cabelos ao vento importunando-lhe as orelhas, se mantinha. Impenetrável. Absorto. Compenetrado. Teimoso. Dono de si. E do seu mundo.
À medida que estes pensamentos se entranhavam em mim, permiti-me perder também algum do meu tempo e aligeirar-me numa cadeira metálica húmida num pequeno café à beira-rio. Observando-o. Tentei entrar na mente dele. No que pensaria, se em problemas, se em alegrias, se em frustrações, se em algo estúpido. Provavelmente seriam todos estes simultaneamente. Dei por mim a pedir um capuccino, bem quente, com dois pacotes de açúcar, à senhora pálida e jovial que me atendeu. Tratei de pagar logo, para não ter de esperar no momento em que decidiria seguir o meu rumo. Mas por ali fiquei. A imagem, digna de um quadro, ou pelo menos de uma fotografia (talvez a preto e branco), ficou guardada no meu sub-consciente e vejo-a por vezes como um flash na minha memória. Mas como não sou pintor, ou quanto muito fotógrafo de bolso, limito-me a preencher a minha mente com mais um bocadinho de uns segundos que achei bem guardar para mim mesmo. Temos de ter a capacidade de filtrar aquilo que nos ajudará a crescer. E de interpretar cada situação de acordo com o seu contexto.
O que será que pensou a empregada que me atendeu ao ver-me 45 minutos sentado no café a olhar para o mesmo local? Impenetrável. Absorto. Compenetrado. Teimoso. Dono de mim. E do meu mundo.