segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

[16] Horizontes

Certo dia, vagueva eu pelas ruas de uma cidade alemã cosmopolita quando, meneando a cabeça, avistei um velho vagabundo apoiado nos corrimãos de uma ponte, olhando para o rio ondulante e estrábico na mescla de sensações que transmite. Intrigou-me o passar do tempo, em como desperdiçá-lo desta maneira quando há tanta bela coisa para sonhar e realizar. Ali, quebrando parte da circulação sanguínea junto aos cotovelos, com os seus imundos e curtos cabelos ao vento importunando-lhe as orelhas, se mantinha. Impenetrável. Absorto. Compenetrado. Teimoso. Dono de si. E do seu mundo.

À medida que estes pensamentos se entranhavam em mim, permiti-me perder também algum do meu tempo e aligeirar-me numa cadeira metálica húmida num pequeno café à beira-rio. Observando-o. Tentei entrar na mente dele. No que pensaria, se em problemas, se em alegrias, se em frustrações, se em algo estúpido. Provavelmente seriam todos estes simultaneamente. Dei por mim a pedir um capuccino, bem quente, com dois pacotes de açúcar, à senhora pálida e jovial que me atendeu. Tratei de pagar logo, para não ter de esperar no momento em que decidiria seguir o meu rumo. Mas por ali fiquei. A imagem, digna de um quadro, ou pelo menos de uma fotografia (talvez a preto e branco), ficou guardada no meu sub-consciente e vejo-a por vezes como um flash na minha memória. Mas como não sou pintor, ou quanto muito fotógrafo de bolso, limito-me a preencher a minha mente com mais um bocadinho de uns segundos que achei bem guardar para mim mesmo. Temos de ter a capacidade de filtrar aquilo que nos ajudará a crescer. E de interpretar cada situação de acordo com o seu contexto.

O que será que pensou a empregada que me atendeu ao ver-me 45 minutos sentado no café a olhar para o mesmo local? Impenetrável. Absorto. Compenetrado. Teimoso. Dono de mim. E do meu mundo.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

[15] Tela Branca

Num trilho empedrado e poeirento, colunas de luz penetram por entre as folhas dos pinheiros, criando silhuetas disformes perspécticas. Entre duas delas, pegadas de umas botas lamacentas criam pares de perfis desalinhados e angulosos. Estas indicam um caminho, uma direcção para o indefinido, onde mesmo no topo daquele vale, tanto poderá aparecer um castelo medieval resplandecente como um enorme buraco negro.

A linha é recta, mas já dizia Derek Walcott que a linha recta é a distância mais chata entre dois pontos. O que significa ziguezaguear? Não necessariamente complicar. O que significa interromper a linha? Não necessariamente desistir. O que significa percorrer a linha em círculos? Não necessariamente ser estúpido.

A paisagem mais confrangedora e desoladora para uns pode ser a mais rica e esplendorosa para outros. Não existem duas mentes iguais. Cada uma toma as suas interpretações para si próprio. Cada uma tem de avaliar as consequências de atirar uma pedra para uma ribeira. Se vai ou não acertar com a dita pedra na cabeça de algum pato real, ou se simplesmente cria o belo desenho aquático circular em transparente e apática progressão para o vazio.

A vida oferece-nos experiências com as quais temos de crescer. Em tamanho e maturidade e energia e calculismo.

E excluindo o facto de a vida poder ser equiparada a uma linha, é essencial assumir e interiorizar que não existe borracha.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

[14] Destino

A incongruência do funcionamento do ser humano é tão complexa como inexplicável. Diria que aquilo que nós somos é uma total obra de arte que vai sendo preenchida ao longo dos anos por tintas e pincéis distintos. Estes podem assumir diversas tonalidades, mais ou menos robustas na atitude fascinada do pintor. Sempre associei a sequela da vida a um jogo onde, a cada nível, somos instruídos a estabelecer uma dicotomia no nosso cérebro entre duas portas. A vida limita-se a si própria como um conjunto de decisões, sequenciadas e entrelaçadas, onde cada um se obriga a lidar com as suas inerentes consequências.

Destino? Somente o dos comboios, barcos e aviões, entre outros. Esses estão impressos, num qualquer pedaço de papel reciclado, a tinta preta com letras extravagantes. São definidos na sua base existencial. O destino do ser humano não está impresso em qualquer lado. Não está dactilografado que A vai casar com B porque, dependendo dum equívoco, dum descuido ou mesmo duma estupidez do A, a B pode tomar a decisão de não concretizar o sonho de pais, avós, bisavós e trisavós em casar com A.

O ser humano é dono do seu próprio destino. Apercebo-me que existe uma grande blasfémia entre o que é destino e o que é uma coincidência. Esta última decorre de combinações estranhamente curiosas de decisões de diferentes seres humanos, que podem levar a que duas pessoas amigas de longa data permitam encontrar-se na mesma rua a 500 quilómetros de casa. Destino? Razoabilidade é tudo o que peço.

Nada mais evidente do que o caso de duas pessoas apaixonadas, vivendo a uma distância suficiente para que os pólos do íman que eles são não se toquem. Podem não se ver, não se tocar, não ouvirem a própria voz, mas a pequena aparição de um sinal, de uma imagem, reacendem a avalanche que é o nosso próprio interior. Aqui, poderíamos então, no sábio mito popular, afirmar que estariam destinados a estar juntos. Com certeza. Um ficará no seu sítio, estático como um calhau, e dirá à outra para fazer o mesmo. Não ficarão juntos.

O destino cria-se, o destino controla-se, o destino de cada um está nas nossas próprias manápulas. Construam o vosso próprio destino.