segunda-feira, 19 de março de 2012

[62] Dourado

Certo dia, certa noite, aperaltado até às orelhas, serpenteei por essas estradas sinuosamente desenhadas. A lua nova tornara uma paisagem inspiradora num conto de suspense. A brisa que se fazia sentir escorregava por entre os respiradores do carro, criando-me arrepios ao longo da minha coluna. As minhas mãos eram como porcas de segurança agarradas ao volante, tiquetaqueando ao ritmo de uma velha bateria rock. Inspirava fundo, explorando o meu subsolo, procurando o metal dourado que tornaria tudo exacerbadamente maravilhoso.

Quando dei a uma estrada sem saída e desliguei o carro, levantei-me emproado e ansioso, confiantemente reticente com os meus botões. Não havia razões para tal. Há que largar a carapaça da procrastinação, enfrentar o Adamastor que vive nas nossas cabeças, gritar bem alto no areal de uma qualquer foz que ele não existe. E o metal dourado, reluzente e brilhante que está no subsolo pode não só ser avistado, como conquistado, recolhido e afagado como num qualquer conto infantil. Sem delongas, sem remorsos, sem obstinações, o ser humano tem uma capacidade inegável de auto-superação. Considerem-me um optimista. Um utópico. Um ilusionista. A lua nova não me teria visto se eu assim não o fosse. O próprio Adamastor assim mo chamou e eu limitei-me a virar a cara àquele muro de Berlim e a rir da sua barba mal aparada.

Certo dia, certa noite, sorridente até às orelhas, deslizei por essas estradas rectas. A lua nova tornou um conto de suspense numa paisagem inspiradora. Expirei fundo, revendo o meu subsolo, onde contemplava o metal dourado que tornou tudo exacerbadamente maravilhoso.