sábado, 28 de novembro de 2009

[9] À procura

Sinfonias. Melodias. Composições. A suavidade de uma guitarra no cruel contraste com um baixo. A sensação espairecedora de um violino a chocar violentamente contra uma bateria sem afinação. A assunção do piano como uma qualquer escadaria que as nossas mãos percorrem na procura do piso ideal. O contrabaixo numa pancada seca no nosso tímpano, mas ao mesmo tempo tão fluido na maneira de preencher o vazio sonoro. Fazer música nunca deixará de ser um experimentalismo. E a mais ambiciosa será sempre a melhor. A mais arrojada, corajosa, audaz e tenaz na forma de procurar a conjugação perfeita de harmonias e vibrações representadas num sistema hertziano.

Desse modo, porque é “vendida” mais música a quem mostra a perna em videoclips executados em estúdios aberrantes onde o conhecimento musical se pode reduzir a um nível desprezante? As estratégias delineadas em escritórios cheios de empresários ávidos de mais moedas nos bolsos são ridículas, mas mais ainda se torna o consumidor ao fazer aquilo que eles querem. Senão olhemos. A rádio chegou a um estado de podridão musical que levou a que eu me recusasse a usar qualquer tipo de dispositivo desse género. Os videoclips inundam as televisões com pernas bem depiladas e estúdios exageradamente decorados com paisagens afrodisíacas ou megalómanas. Os artistas dão concertos e autógrafos, circundados por gritos histéricos de raparigas descontroladas sem a mínima noção do insípido. E a música? Ah, é o pano de fundo de um teatro bem representado por profissionais da maquilhagem e estética com o pleno objectivo de escravizar o público-alvo. Muito e muito obrigado caros artistas da música actual, ainda não sou estúpido o suficiente para vos ouvir, ver ou, muito menos, comprar.

Todos os dias pesquiso música de qualidade. Todos os dias consigo encontrar um grupo com ambição baseada numa experimentação musical pronta a atingir algo novo. Todos os dias deparo-me fã de um grupo que, quando o identifico a um qualquer amigo meu, me faz ouvir um “quem? desconheço”. Assim continuem, no vosso caminho alternativo até alcançarem o vosso próprio ego, que eu cá estarei para vos ouvir.

Porque, por muito estranho que pareça, há tanta música boa por aí. Ela só não nos chega aos ouvidos.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

[8] Cura ou doença?

Já afirmavam, no fim de uma música, os Ornatos Violeta: “Para nos lembrar que o amor é uma doença, quando nele julgamos ver a nossa cura”. Até que ponto esta afirmação, inserida numa das minhas melodias favoritas de sempre, poderá ter o seu traço de razão? Ou talvez melhor ainda, porque já interpretei eu esta frase como fantástica e, noutro espaço temporal, como um disparate? Os estados de espírito que nos conduzem através dos carris da vida levam-nos a puxar a brasa da mais adequada maneira à nossa sardinha. Quem, no seu perfeito juízo, poderá olhar-se ao espelho, todo engatatão e preparado para um jantar com a sua amada, e afirmar que aquilo que está a viver é uma doença? “Não! Tudo isto é o conto de fadas com que sempre sonhei! Chegou aqui a cura para os meus problemas no trabalho, com a família, com o cão...”

Nem mais. A “cura” que nos possivelmente levará a ter atitudes de ciúme, de vingança e de escárnio para alguém que se possa intrometer na relação. A mesma cura para a ansiedade acumulada por não responder ao telemóvel e os conseguintes pensamentos de traição e de desconfiança. Calma. Quantos “pecados” já eu li aqui? Uns quantos, nada agradáveis. De qualquer maneira, não vou defender a teoria dos Ornatos.

O amor tem a capacidade de surpreender. Quer à pessoa amada, quer à pessoa amante. Sei o que é amar. Sei como bate o coração, “aquele” bater de coração que nós identificamos como único mas que não nos importamos de ter. Sei da tal ansiedade, do querer que do outro lado haja exactamente o mesmo que no nosso. Sei, acima de tudo, do que sou capaz. E o amor é capaz de nos tornar loucos. Loucos por nos fazer pensar tanto e tão pouco. De nos fazer pensar e não dormir toda uma noite por causa duma atitude impulsiva e não-pensada que foi tomada quando estávamos com a outra pessoa. O sentimento da mais ínfima possibilidade em perder essa segurança do nosso sistema circulatório possui-nos e descontrola-nos no nosso kharma. Podemos perder o nosso ego, mas não aquilo que mais amamos.

Muitos dos que possam ler este texto podem não saber do que estou aqui a teclar, porque podem nunca ter vivido aquele batimento cardíaco falhado quando aquele “alguém” aparece repentinamente. Mas aqueles que já o viveram, sabem, concordam ou discordam com o que escrevo. Porque o amor é complexo e personalizado, funciona de acordo com o ego de cada um. Mas uma coisa é certa.

Cura ou doença, o amor não só define os nossos limites, como os extrapola a um nível onde nada nem ninguém poderá, um dia, experienciar.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

[7] Tempo, temporiza-te...

Como controlar o tempo? Esse factor determinante na nossa rotina é tão definido, pela noção geral do que é um segundo, minuto, hora, dia ou ano. Mas e o tempo na nossa cabeça? Porque associa o nosso cérebro a sensação de que a ampulheta passou a ter um orifício maior quando estamos num estado de espírito de acordo com aquilo que queremos? Porque vemos o mesmo orifício fechar-se em situações de cansaço ou infortúnio?

Poderia aqui abordar a relatividade do tempo. Einstein definiu que “tudo é relativo”. Estaremos nós a abordar a relatividade ou a psicologia do tempo? Existe, na nossa sociedade, o conceito dos “factores psicológicos”. A dor, o frio, o calor, até o tempo. Tudo é psicológico, até prova em contrário. E assunto arrumado. É psicológico.

O tempo que senti esvaziar neste parágrafo anterior deveria ser abordado com uma certa reflexão e assumir que será pertinente questionar-me o porquê de escrever em vez de dormir a esta hora. Ao mesmo tempo, deveria ter a noção de que não sei quanto tempo da minha vida se perdeu neste bocado. Apenas o senti útil. Se o fiz, provavelmente passaram mais segundos que aqueles que eu esperaria.

Não passaram.

Fazendo um flash-back na minha memória, consigo observar-me em diferentes slides da minha vida a dizer que “este ano passou a correr” e que “ainda falta um mês para acabar as aulas”. Não haverá aqui uma pequena, se não muito grande, incongruência? Eu penso que sim.

O tempo foi definido há uns séculos, e este é ajustado por um relógio que, segundo sei, ainda se encontra em Paris. Tudo o que vem depois, todas as noções de inflexibilidade, incompreensão e desajustamento psicológico das pessoas em relação a esse tema vêm do nosso próprio cérebro. É a nossa psique que se sente ou não confortável com aquilo que executamos, dia após dia, no nosso ambiente, lidando com outras pessoas. Daí que um certo ser humano possa assumir que uma hora e meia de um filme sobre vida animal passa como um flash, e outro ser humano se deixe dormir. Muito provavelmente, quando acordar, este surpreender-se-á com o tempo que passou. Eu limito-me a deixar o tempo seguir no seu curso natural. O tempo oferece experiência mas retira saúde, a ritmos diferentes, de acordo com o organismo de cada um. Consome-nos por dentro até sermos capazes de nos aperceber que o tempo é um animal monstruoso que nunca parará, por maior que seja a revolução ou o apocalipse.

E um dia, qualquer pessoa render-se-á ao tempo por perceber que este é indestrutível.

domingo, 15 de novembro de 2009

[6] Puzzles

Certo dia, encontrava-me eu a meio duma complexa viagem num qualquer local estrangeiro cheio de monumentos para ver. Argumentava com um amigo meu o porquê da inquietação e desconcertância de outros amigos nossos em pular de monumento em monumento, sob pena de perder para sempre a oportunidade de ver, com os próprios olhos, aquele edifício que se encontra na pág.34 de “O Roteiro de Banguecoque – ilustrado”. Nunca consegui descortinar essa certa obstinação em ver tudo, como se não houvesse dia seguinte.

Ver é uma coisa. Apreciar, sentir, observar é outra. Em turismo, como em qualquer outra experiência da nossa vida, é essencial saber apreciar. Em frente a um museu, deparei comigo e com o meu amigo, sentados e calados em frente a esse edifício a contemplá-lo. Porque, por mais cliques que o obturador da máquina dê, nada compensa o sentimento que aquele lugar nos transmite. E locais especiais não faltam.

Quem se limitar a coleccionar documentos fotográficos de muitos locais diferentes vai deixar passar o sentimento de que tudo foi rápido demais. A vivência resultante da apreciação silenciosa do local irá passar para o nosso interior a força de um momento, a importância de um monumento. Quem me conhecerá poderá afirmar: “então mas nunca te vi fazer tal coisa!” Pois, é bem verdade. Quando tenho esses momentos, é muito raro ter alguém perto de mim pela simples razão de extrapolar esses momentos “turísticos” para momentos de reflexão comigo mesmo. Há pessoas que podem interiorizar-se observando as estrelas, o sol, a lua. Até a própria parede do seu quarto. Eu tenho o meu cantinho. Algures nos sítios que considerei especiais à volta do Mundo, eu reservei e partilhei o sótão do meu cérebro por sentir-me seguro, confiante e confidente.

Saber apreciar é saber viver. O esplendor de determinados momentos espelha-se no nosso interior como mais uma peça do puzzle que nos permitirá descobrir a nós próprios.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

[5] Sonhar

É sob esta pálida e insinuante luz amarela-torrada que me ofusca as órbitas que me permito deambular nas ruas do meu ser. Nas ruas do Mundo. Obtendo odores, sensações e tactos nunca antes sentidos. O carisma de locais simultaneamente arrogantes e soporíferos reflecte-se na assimilação de torrentes invulgares de adrenalina que testam as nossas capacidades sanguíneo-circulatória e nervo-cerebral. Olhar adiante nos nossos horizontes não é sinal de sonambulismo consciente ou de lunatismo invertebrado. É ambição, é poder, é determinação em atingir o alvo a que nos disponibilizamos acertar com arco e flecha na mão.

Enquanto a luz se mantém, tremeluzente, a reproduzir e a importunar o nosso cerebelo, já o lunático que é a nossa pessoa avançou na máquina do tempo e sonhou alcançar aquele momento em que se descobre no meio duma areia movediça e onde, seguindo a reacção instintiva de pânico humano, se afundará ainda mais, perdendo-se para sempre. Quando não produzir qualquer movimento seria a reacção mais sensata.

E que mal faz sonhar? Mesmo que seja a areia movediça, nós não estamos lá. Então e se for algo maravilhosamente fascinante? Que a beleza das flores holandesas no meio dos aromas silvestres seja o palco de uma viagem romântica com a mulher mais bela com que se sonhou ou com quem já se tenham partilhado momentos inesquecíveis? Que se dê a mão e que se sinta o suor nas nossas palmas e nos dedos entrelaçados, enquanto percorremos o túnel da vida, que lá ao longe nos trará a luz da felicidade eterna na cegueira genericamente associada a tudo ao que está ao nosso redor. Que tudo o resto vá para o inferno, porque eu agora estou..

...a ouvir a merda do despertador.

Sonhar sempre me deu a capacidade de sorrir e de me ver ao espelho gesticulando ridiculamente e troçando de mim enquanto eu me mantinha prostrado em frente a este. É a aplicação normalizada do funcionamento da nossa mente em alta rotação mesmo enquanto dormimos.

Sonhar é poder e quem não sonha, nunca certamente alcançará seja o que for.

sábado, 7 de novembro de 2009

[4] A Chave

Quando, em certo panorama social, surgem propostas e conversas entre amigos, verifica-se muitas vezes, por mera curiosidade, a seguinte: “Então e se te pudesses caracterizar, como o farias?” Quem já não pensou naquilo que é ou não deixa de ser. As teimosias, as superstições, a simpatia, o “amigo do amigo”, a coragem, a maluquice. Enfim, um sem número de qualidades ou defeitos que eu levaria uns quantos dias a transcrever.

As pessoas têm por hábito não se auto-caracterizarem pela simples razão de não terem a capacidade de se observar a si próprias. De acharem, com razão, que serão as outras pessoas a fazê-lo com mais rigor. E serão com certeza, porque nós não podemos ser o leão na jaula e o turista de máquina fotográfica ao pescoço ao mesmo tempo. Eu defendo, apesar de tudo, uma perspectiva diferente. Sinto, através do meu “círculo” de amigos, que nunca me auto-caracterizei, nem nunca comentei o que outros possam ter usado para me definir. Primeiro que tudo, não me sinto confortável com o facto. Segundo, limita-me. Definirmo-nos no nosso carácter limita as nossas acções. Torna-as susceptíveis de serem avaliadas de modo azedo ou agradavelmente surpreendente porque “ele é assim, logo não deveria ter feito aquilo”. Se me auto-caracterizo de impulsivo e se fico impávido e sereno a assistir a uma cena de pancadaria pela qual sou responsável, o senso comum iria olhar para mim e não entender o que se passaria, porque o que deveria acontecer era eu arrear dois socos a cada um. Ou pelo menos tentar.

Neste momento, não me dirijo a ninguém em particular. Apeteceu-me deambular neste tema ao mesmo tempo que me recordava de uma frase que li num livro de Pascal Mercier, que acabei por relacionar com o tema da auto-caracterização: “A cegueira e ignorância alheia é a minha garantia de segurança.”

Deve haver dentro de nós uma caixa-forte onde ninguém consegue entrar, onde uma certa percentagem do nosso eu deve ter o seu espaço e o seu repouso. Mas, como é óbvio, temos a possibilidade de dar a chave a alguém para nos afirmarmos totalmente perante alguém da nossa confiança. Nos interstícios das possibilidades, temos a tomada de decisão.

E a minha decisão foi mandar a chave fora há um belo tempo...