quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

[71] Dialecto


Hoje, abro um espaço de reflexão. Sobre algo que me choca profundamente de há uns anos para cá. A total incoerência e diria eu, “ignorância” que está envolvida no léxico e gramática portuguesa na nossa sociedade. Como uma bomba nas redes sociais, começou a ser usado um novo tipo de dialecto onde se criaram novas palavras como “aprendes-te” ou “vis-te” ou “há-des”. Sinceramente, gostava de entender o que há de tão difícil de associar neste tipo de escrita. Se as pessoas simplesmente não pensam, não querem pensar, ou se foram mal ensinadas. Penso que há uma mescla dos três tipos. O que torna isto arrebatador.

O chamado dialecto da segunda década do segundo milénio formou-se devagarinho, entre o início do Facebook e o término do Hi5, onde grupos de jovens estudantes a terminar o secundário e a entrar na faculdade transpuseram erros gramaticais graves. E não consigo saber o que é mais grave: se a globalização deste tipo de escrita para os ainda mais novos, se o facto de essas primeiras cobaias do dialecto andarem a monte no mercado do trabalho a dar erros desses no seu CV. É imperativo mudar o rumo das coisas, mas a inclusão de um acordo ortográfico que ainda elimina mais letras das palavras para “facilitar” a missão de quem escreve, só dificulta. Ainda para mais, o português parece ser o único a aceitar este pseudo-acordo, quando os restantes PALOP’s se recusaram a assiná-lo, pelo menos para já. Eu vou recusando o acordo, enchendo de traços vermelhos o meu documento de Word, pela constante identificação de erros no meu estranho dialecto chamado português.

Abrindo um pequeno espaço de discussão, gostaria que, quem lê os meus textos, pudesse rever-se ou não nesta situação, argumentando perante a razão de tamanho disparate em que a nossa escrita se tornou. E não argumentem com “ser mais rápido” porque a versão correcta de “aprendes-te” não tem hífen, logo nem se trata de preguiça para um caracter a menos. Obrigado. 

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

[70] São Valente


Dia de São Valentim. O chamado “dia dos namorados”, ou “dia dos solteiros”, no caminho oposto, mirando todos os que vivem de forma inexoravelmente intensa aquilo que devia ser o dia-a-dia de uma relação. Um pretexto para se venderem flores e entregar casais que andam à cabeçada aos rumos do amor e dos elogios e dos bombons. Não os censuro, até porque já atestei de variadas formas a necessidade de se quebrar a rotina. Quando é a rotina que marca 364 dias de um ano, e não aquele dia 1, diferente dos outros.

Após mais um dia absolutamente normal, igual a tantos outros rotineiros, decidi escrever uma carta. Mas não lhe coloquei selo, nem sequer remetente. Porque não será entregue de qualquer forma. Porque haveria eu de me dar a esse trabalho? Peguei numa folha pautada branca e numa fina caneta de desenho e desenvolvi suavemente, ao ritmo da minha cerebral monotonia, o manuscrito que não chegaria à caixa de correio.

Encontras-te mais perto do meu cérebro do que das minhas mãos de pianista. Ouço-te ao longe como se saísses de dentro de um gramofone, riscado e confuso. A tua cara é uma miragem, desenvolta num paraíso demasiado longínquo para ser tornado realidade. A tua pele suave é como uma pena imaginária que passeia por este quarto, a testar a minha resistência aos impulsos de te agarrar contra mim. Mas nada disso importa, porque afinal de tudo, estás desenhada na minha cabeça e vales mais que qualquer outra coisa que os meus olhos desenhem para mim no meu dia-a-dia. Como um “descubra as diferenças”, onde a primeira imagem é a tua, e todas as outras transformem o meu dia num game over, até te reencontrar algures.

Deitado na minha cama, reli a carta, não a assinei. Dobrei-a em três, introduzi-a no envelope, lambi o invólucro e deixei-a na mesa-de-cabeceira. Apaguei a luz, mas só via a carta. Pensei no que ela me poderia fazer sonhar. Preferi não forçar o sonho e fazê-lo acontecer. Fechando os olhos, suspirei, emanando o cheiro do papel que tinha acabado de fechar.