O brilho das estrelas e do quarto minguante que a Lua moldava era o pano de fundo envolto na fogueira que eu acendera uma hora antes. Ao fundo, uma casa abraçava um riacho espampanante que reflectia as ínfimas realidades que ali se cruzavam. Com uma brecha da janela aberta, a melodia violinista parecia encaixar-se como uma matrioska naquele pedaço de terra. Eu, submisso, apenas sentia a fogueira arder. As lascas que pigarreavam eram como um fogo-de-artifício da vida, onde tudo tinha sido lançado ao ar e desperdiçado em todas as direcções, menos na correcta. Olhava para aquele fogo e via nele outro brilho. Não por ver algo brilhante a florescer, mas por ver algo cruel a esfumar-se por entre o aroma carbonizado que momentaneamente sombreava a Lua.
Lenta e fogosamente, dirigi-me a um “tu” qualquer em voz baixa. Aquele “tu” estava provavelmente a despedaçar-se na minha memória a um ritmo bem mais penoso e lento que aquelas labaredas. Porém, o fogo da minha memória pode ser mais lento, mas nunca deixará de ser fogo. Nunca deixará de queimar seja o que for. Nunca deixará de arranjar em amigos, acendalhas. Em paredes, um sopro. Em insónias, um ramo de silvas.
“Devolve-me as noites como esta. Onde olho à volta e vejo a minha pessoa, desenvolta e espirituosa. Devolve-me as noites solitárias, onde não tenho de pensar em mais ninguém que não valha a pena. Devolve-me todas as paixões esfaqueadas pelo teu fantasma. Devolve-me o teu amor, amor esse que nunca foi realmente dado. Devolve-me o tempo, perdido nos interstícios da minha juventude, que gastei da pior maneira. Devolve-me as forças que prendi na minha alma, evitando desistir de algo que nunca poderia ter. Devolve-me. Devolve-me.”