quinta-feira, 14 de março de 2013

[73] Cativeiro


Um cativeiro de emoções. Um poço de esperanças e um livro poeirento de memórias bonitas e indefinidamente repetíveis. Ambiciosamente, olha-se em frente e consegue-se fazer evoluir memórias. Pegar nelas e acrescentar-lhes uma pitada daquilo que num certo momento, não se conseguiu completar. Como pegar num filme de Lumière e acrescentar-lhe um efeito especial contemporâneo. Reviver sem criticar, pintar sem apagar. Somos escravos dos nossos próprios filmes, porque nos guiamos inconscientemente por eles. Estamos em cativeiro com a nossa cabeça, porque é ela que decidirá o próximo passo.

O nosso nível de liberdade e de ambição depende do nível de escravidão e de compromisso que nós assumimos com o nosso cativeiro. Quão largo é o nosso horizonte. Mais ou menos largo, mais ou menos profundo que o do comum dos mortais. Aquilo que é demasiado ambicioso para uns, levando à cobardia, pode ser banal para outros, levando à contemplação real de um pressuposto antigo. A zona de conforto não desaparece com estereótipos. Desaparece quando saímos da nossa escravidão mental, assumindo uma decisão que vai para lá daquilo que foi atempadamente planeado. Da mesma forma que uma pessoa com casa, carro e viagens pagas, pisa uma poça e diz que os sapatos sujos lhe estragaram o dia, um sem-abrigo teria o dia ganho se tivesse casa. Não vale de muito comparar o cativeiro de cada um. Regra geral, eles existem e crescem, dia após dia, sucesso após sucesso, calo após calo.

Um cativeiro de emoções. Agora imagine que uma parte do seu reacorda da penumbra. Desafia-o e faz-lhe uma proposta. Quer sair do cativeiro. Quer sair da escravidão mental. Quer ser real. Deixamo-lo sair da zona de conforto e torná-lo palpável? Ou mantê-lo lá preso e cómodo à sua estante do lobo temporal? A minha estante do lobo frontal acenou logo, e já decidiu.

quinta-feira, 7 de março de 2013

[72] Traços


Glimpses de futuro. Flashes desmesurados numa tela presa a uma parede sombria. Pinturas de coisas que ainda não vivi. Imprevisível como se o prego vai aguentar o peso da tela. Não sei se as vou viver. Aguentar, tal visionário, ou arriscar, tal mestre de estatística num jogo de roulette? Revejo quadros que pintei. Nenhum ficou como a minha cabeça imaginou. Sou mau artista e sou demasiado esperançoso? Aplico as minhas esperanças em cada traço amarelo torrado que passeio pelas ruas do meu futuro ser. Quero ser o meu futuro ser, aquele que ainda não está pintado.

Temos ambições e esperanças. Nenhum de nós sabe se as vai atingir ou tocar ao de leve. Ambições dentro do razoável, a curto e longo prazo, como “vou comer frango assado ao jantar” ou “vou ser uma estrela de Hollywood”. Seja o que for que nos guie, criamos uma linha orientadora dentro de nós próprios. Algo a que nos agarremos no dia-a-dia. Uma luz ao fundo do túnel. Aquela luz que nós queremos ver e viver, para lá das milhões que suplantamos a cada passo que damos em nossa casa. Essas já foram vividas e experienciadas de todos os ângulos possíveis. Nós queremos sempre criar um ângulo diferente. Dar-lhe mais lustro e visibilidade. Encantamento e satisfação. Pintar a tela com outras mãos. Que tornam o traço mais suave e sinuoso num contexto nefasto de situações irreversíveis. Que, apesar de tudo, nos mostra que a suavidade e sinuosidade está nas nossas mãos. Com determinação e alguma sorte, consegue-se tudo. Sem confundir determinação com teimosia, e sorte com cegueira.

Eu tenho ambições. Eu tenho a minha tela vazia. Eu tenho a tela desenhada na minha cabeça. Dia após dia, apenas me questiono se essa tela vai ficar como eu a desenhei. Mas só tenho uma forma de o saber. E essa forma é pegar em mim próprio e começar esse quadro, que é o mais belo que alguma vez imaginei.