quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

[61] Curvas

Siderado num promontório inspirador, carrego às costas o peso da responsabilidade. Ando cabisbaixo, à deriva num areal que era escaldante num passado recente. Miro os meus pés, cansados de andar, de percorrer, de instigar, de deixar pegadas no solo. Pegadas únicas, algumas inconsequentes, em círculos ou em oitos, terminando no mesmo velho e hipócrito lugar. Volto a olhar para um horizonte tão deserto quanto a minha tentação inesgotável de encontrar algo dentro de mim que ainda continua sem dar vida.

Locais passam, brilham e ofuscam no cintilar tão insignificante quanto uma estrela incandescente a milhões de anos-luz de distância. Marcas no presente, fendas do passado e um vislumbre do futuro que mantém a sua teimosia arrogante em me trair quando bem lhe apetece, criando vítimas injustas de um caminho indefinido. Por vezes, a vida torna-se de tal forma racional, que nos esquecemos de que o irracional existe. Que o irracional é uma ferramenta poderosa para abrir brechas numa mentalidade fechada, onde as fendas do passado são utensílios para cozinhar momentos temperados e saborosos.

Quero sair deste lugar, não quero mais oitos nem círculos, quero linhas rectas, sem carregar nas minhas costas as lágrimas de quem me fez curvar. Não quero sapatos nestes pés calejados. Quero caminhos com pedregulhos de basalto, de granito, quero mais marcas do presente. Quero subidas e descidas sem saber o que se esconde no topo ou no subsolo. Acima de tudo, quero não deixar de lutar por tudo aquilo que me move.

Mover, sem pestanejar, chorar, recolhendo a lágrima, sorrir, por ter aprendido. Arrepender por algo que tenha feito em vez de arrepender por algo que não tenha feito.