domingo, 27 de dezembro de 2009

[12] Previsões?

Terminando mais um ano, insignificante e redutor naquilo a que nós chamamos vida e que não sabemos o que é nem onde acaba, olhamos sempre para trás e para a frente numa tentativa de fazer destes últimos dias de Dezembro um rescaldo ou um prólogo.

Poderia abordar o passado, aquilo que 2009 me ofereceu e me retirou. Mas não o vou fazer. Cada um sabe aquilo em que se envolveu, entre uma noite mal passada com a miúda que não conhecia de lado nenhum ou a promoção no emprego depois de bajular o patrão. Tantos exemplos poderiam aqui ser abordados. Entre o passado e o futuro, prefiro falar do futuro, porque é lá que vou passar o resto da minha vida.

Porque tem de o ser humano estar constantemente a prometer algo a si mesmo? Qual a razão de fazer planos para o ano seguinte? As resoluções de ano novo, preencher o calendário com objectivos a cumprir, os desejos inerentes a cada dentadinha na 5ª, 6ª, 7ª e 8ª passas que tem na mão? E que tal mandarem umas passas na noite de 31 para 1 e fazerem a vossa vida na mesma a partir daí? O novo ano não deixará de ter mais 365 dias, vai ser o fluir da ribeira de águas turvas a que chamamos rotina, onde só os audazes terão a capacidade de apanhar uma concha similar às de Santiago de Compostela numa parcela de águas límpidas. O ser humano comum continuará a ser o escravo do dinheiro, sacrificando-se todos os dias para se sustentar pelo menos a si próprio. Afinal de contas, nada de novo acontece.

Esqueçam os desejos, as resoluções, as promessas. Vivam, cumpram, sigam o vosso instinto, definam a vossa vida a cada passo que dão numa qualquer calçada portuguesa mal-arranjada por causa de um rato que mais parecia um coelho. Gritem quando a consciência diz para se calarem, pulem quando as regras dizem para se sentarem, riam quando a etiqueta manda chorar. Arriscado? Sim, claro.

E não tem o dobro da piada?

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

[11] Boas F€stas

Natal. Época de luz, de felicidade, de compaixão, de sorrisos e reencontros familiares. A cintilância dos espaços urbanos envoltos em luzes vendidas na loja dos trezentos, dando um toque familiar e acolhedor ao rigoroso frio que se verifica. Todos fazem as suas compras para a noite de 24 de Dezembro, acumulando sacos nas mãos ao longo dos intermináveis corredores de centros comerciais.

Natal, época de...dinheiro, gananciosamente descontrolado e escravizado. Senão vejamos. Que são todas as virtudes que referi acima comparadas com os milhares de Pais Natal fictícios espalhados pelo País e pelo Mundo? Eles gostam muito de ter a criança ao colinho, desde que lhes paguem o “x” prometido à hora. Notícias apontam para que cada português gasta em média 85€ em compras nesta altura do ano. Crise? O tanas. Quais serão os lucros das empresas de iluminação? De venda de pinheiros? Dos centros comerciais, com cerca de 50% maior afluência que no resto do ano? Das câmaras municipais? Das empresas de publicidade? Só posso dizer que estes devem ter as mãos a escaldar de tanto terem sido esfregadas.

O Natal é mais uma oportunidade de lucro para milhares de empresas, que se aproveitam da boa vontade religiosa e cultural das pessoas para facturar cada vez mais. O dinheiro manda cada vez mais. A pouco e pouco, este Mundo onde nós vivemos torna-se uma escravatura, já vivida em muitos locais, onde o rico só enriquece e o pobre só empobrece. Os pobres bem poderão reclamar, que o dinheiro dos ricos os hão-de calar de qualquer modo. E assim vivemos nós, sempre com um sorriso nos lábios, a deixar que nos caguem em cima, dia após dia.

É deveras mais preocupante o Mundo em que vivemos do que animadora a época natalícia de propaganda de uma felicidade e paz que nunca será possível enquanto a sociedade corrupta que nos comanda o continuar a fazer.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

[10] O Quadro

No cimo de uma colina, sopra a brisa tumultuosa que me faz baloiçar as pestanas. Na pureza do ar que respiro, avalanches vibrantes de uma calma descontrolada percorrem-me os poros, saltando como rãs em nenúfares. As poucas nuvens que pigarreiam o céu olham, desconfiadas, umas para as outras, esperando por um reencontro improvável. A humidade do solo arenoso e verde-acastanhado penetra na ganga dos meus bolsos rotos e à espera de uns trocos sem sequer tocar à campainha. Nas minhas mãos, um qualquer rasto esverdeado deixado por uma silva escanzelada impele marcas visuais e olfactivas. E enquanto miro a linha do horizonte, impávida e poderosa, tu lá estás na minha imaginação, frágil e frontal, bela e simples, completa e misteriosa. Os teus olhos traçam setas, apontadas ao meu ego, na procura lunática de descobrir o que se passa dentro de mim. Os teus cabelos ao nível do pescoço balouçam como pêndulos constantemente impulsionados na alteração da paisagem perfeita.

As minhas mãos enterram-se no solo enlameado, enquanto o meu coração bate mais forte, coincidindo com uma brisa mais forte que me injecta arrepios na espinha dorsal. As codornizes levantam vôo na ávida procura de um melhor local para estar e aninhar as suas crias. As folhas caídas de Outono rebolam no chão como ratos assustados, enrolando-se nas minhas pernas por breves instantes antes de seguirem caminho para uma qualquer ribeira. Nesta imagem dignificante de um qualquer quadro à venda numa loja chinesa, estamos nos dois lados da barricada. Pensamos, olhamos, atingimos, respiramos, bombeamos, vivemos. Percorremos o mesmo caminho mas nunca nos cruzamos. Respiramos o mesmo ar mas nunca tornamos a nossa boca numa só. Vivemos no mesmo mundo mas nunca nos tornámos um só. Quando abro a tua porta, tu fechas a minha. Se eu te ofereço uma rosa, preferes magnólias.

Eu deito-me no húmus peganhento, respiro fundo, olho à volta e nada mais vejo senão o céu. Após me recompôr e sentir-me de novo voltar ao normal com umas calças imundas, apenas me pergunto:

Quem és tu?