quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

[69] 01/02/2013


Em 2013 logo escrevo sobre isto outra vez.” Raramente cito frases redigidas em textos anteriores, mas desta vez tornou-se demasiado irresistível para não o fazer, como um guloso solitário tentado por uma fatia de bolo isolada numa mesa redonda. Ultrapassou-se o dia 21/12/2012. Há uns meses atrás, escrever isto soaria heroico, num conto dantesco de destruição planetária e intergaláctica. De qualquer modo, penso que o balanço de toda esta situação foi bastante positivo. Nada aconteceu e tanto aconteceu.

A sociedade necessita ciclicamente de algo a que se agarrar, de um pretexto ou um propósito para agir desmesuradamente e sem complexos. Criou-se um evento de verosimilhança discutível, com n teorias a envolvê-lo, sem que nenhuma fosse aprovada fosse por quem fosse. Estariam reunidas as condições para um fracasso, mas felizmente os desejos foram cumpridos. Construíram-se bunkers, rasgaram-se contratos de trabalho, desperdiçaram-se vidas por uma ponte abaixo com medo do que pudesse acontecer, aumentou-se a taxa de natalidade com medo do que pudesse acontecer, escreveram-se bestsellers. Agora, podem vender-se t-shirts a dizer “eu sobrevivi ao 21/12/2012” e criam-se páginas de Facebook a prever o próximo fim do mundo. A produtividade, aliada à criatividade e à falta de bom senso levaram um acontecimento inóspito a uma dose de loucura mundial que roça o ridículo.

Há quem fale já em 2018 e em 2022, como antes se falava de 2000. O ser humano procura sempre rejuvenescer a sua dose de fé em factos não necessariamente justificados. O importante é eles existirem. Porque se não houver o fim do mundo para combater, podemos arranjar o fim das compotas de tomate da Dona Alzira, ou a queda da Torre Eiffel em 2015. E pronto, já tenho uma ocupação e redes sociais para exponenciar até essa altura. E que tal focarmo-nos no que realmente interessa e concretizar os nossos objectivos, em vez de alimentar os capitalistas que lucram com estas ideias ridículas?

domingo, 13 de janeiro de 2013

[68] Evolução


Uma vida rotineira vive esperando. Pela quebra do monótono, pela singela alteração que um pássaro a bater na janela nos pode mostrar que um dia pode ser diferente. Apesar de tudo, há que perceber que o pássaro teve essa capacidade, sem fazermos nada por isso. Um dia lúgubre e amistoso, no meio das nuvens cinzentas e pachorrentas, pode mascarar-se de luz e vivacidade, sem darmos conta. A magia que por vezes está escondida atrás dessas nuvens só é descoberta pelos audazes. Os que conseguem afastar as nuvens e viver um dia solarengo no meio de tanto cinzento pachorrento. Para gente cinzenta, chega o mundo todo.

Descoberta constante equivale a surpresa constante. Que por si já equivale a algo bem precioso: evolução. Que nos atormenta, que nos fascina e nos consome e nos controla. Que nos mostra que há coisas que seguem o seu caminho e não voltam. Que nos mostra que também há coisas que seguem o seu caminho e voltam bem melhores que quando partiram. Evolução. Que afirma de peito feito ser a base para tudo. Que, de soslaio, nos pisca o olho e nos indica o caminho a seguir. Que nos faz tomar melhores decisões e vivê-las de espírito livre e de coração aberto.

Conseguir descobrir o dia solarengo no meio das nuvens pachorrentas demonstra adaptação. Capacidade para viver o que queremos viver. Coragem para ver aquilo que está por detrás do óbvio. Curiosidade para descobrir o que vai para lá do óbvio. Discernimento para contrariar o óbvio. Inteligência para assumir que não existe óbvio. Genialidade para transformar o não óbvio dos outros no nosso banal. Rebeldia para viver o não óbvio, contrariar estereótipos e estampar um documento com um carimbo que mais ninguém possui. Posso vir a não afastar as nuvens pachorrentas, mas já descobri que o dia solarengo está lá atrás, para mim. Para contrariar o óbvio.