domingo, 26 de dezembro de 2010

[38] Polvos

Minha gente. Eu gostaria de entender muita coisa à qual o meu cérebro ainda não me deu capacidades para tal. Logo, atirando alguns dados ao ar, posso ter a remota hipótese de todos caírem com a face “seis” voltada para cima. Ainda no outro dia, alguém me disse que “o Mundo é bem mais pequeno do que nós imaginamos”. E realmente fiz umas associações. O planeta Terra tem cerca de 500 milhões de quilómetros quadrados, onde vivem cerca de 6 biliões de pessoas, portanto não falta espaço, apesar dos oceanos, para as pessoas viverem. Mas há tanta gente que reconheço na rua que é levada às cavalitas até ao seu pedestal, espezinhando umas quantas pessoas na sua tarefa diária. E assim, muito rapidamente, numa atitude típica de sectarismo nada separatista, crio três patamares de pessoas: as que são espezinhadas diariamente, sem direito de antena (e aquele que têm, é ridicularizado e atirado para o lixo); as que transportam os grandes nomes, desprovidos de sucesso pessoal sem se importarem com o assunto porque estão perto dos grandes (apesar de nunca virem a sê-lo, porque bajulação resulta apenas em alguns casos, como haver órgãos sexuais diferentes entre o sujeito bajulado e o bajulador); e, obviamente, os grandes nomes que, apesar de ocos na sua maior parte, partilham o seu enorme conhecimento em direitos de antena de forma tão exuberante que mais parece uma lavagem cerebral aos espezinhados.

Isto que acabei de fazer chama-se estereotipar uma sociedade que, obviamente, não é reflectida na sua totalidade e onde haverá patamares intermédios e outros um quanto insignificantes. Mas que há muita gente espezinhada neste país que costuma não ser apelidado de terceiro mundo por ter uma boa rede de água potável, esses há. Mas que há muitos grandes nomes que mais valiam ser associados a corrupção, ditadura, coacção e suborno, em vez de, digamos, política, esses há. E o pouco que este comboio ainda anda para a frente, ou menos para trás, é devido a toda a massa humana que luta todos os dias pelo seu mísero ordenado mínimo ou pela sua pensão ridícula que certa gente ainda tem a lata de cortar.

De homem era aumentarem ainda mais os impostos! Ah, já o vão fazer. Espezinhados? Ora essa, minha gente. 2011 aí vem. Suspirem. Ainda temos alguns dias para viver à grande!

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

[37] Fractal

Abro os olhos e dou comigo sentado numa cadeira metálica de qualidade discutível. Os meus braços estão apoiados numa mesa poeirenta com marcas de cola e de caneta, enquanto o balançar dos meus pés termina num radiador desligado. A sala está propositadamente a meia-luz, criando um ambiente propício a algo incómodo, que não sei bem identificar. Um espelho reflecte a minha pessoa, despenteada e bem mais magra que há um ano, e bem mais barbuda que há dois dias. Levanto-me, não alcançando pistas sobre o meu paradeiro. O meu ritmo cardíaco sobe e posso senti-lo nos meus pulsos. Bato à porta e chamo por alguém, de nome improvisado Januário. Ninguém responde. Provavelmente porque não haverá ninguém lá fora com tal nome.

A porta abre com estrondo no momento em que eu fazia um carrossel à volta da fantasmagórica sala. Um tipo de 1,80 de altura entra, a passos largos, fechando a porta com brusquidão. Dá-me a ordem para me sentar. Com um ar carrancudo, o tipo tinha cara de caso. Pergunto-lhe o que ali faço, e ele apenas refere que quem faz perguntas é ele próprio. Calo-me. O meu pulso subiu para 120. Talvez mais. Nunca fui hábil a medir pulsos. Só palmos. O tipo sentou-se à minha frente e eu tive um déjà vu. Eu tinha tido a mesma visão que tive anteriormente ao espelho. Mas qual espelho? Desviei a cabeça como quem coça o pescoço por causa de uma mosca e assustei-me. Eu continuava a ver-me ao espelho. Mas o tipo que estava à minha frente era tal e qual eu. Eu estava confuso, e ele decidido. Eu medroso e ele destemido. Eu nervoso e ele cinicamente tranquilo. Eu tensamente prostrado e ele sarcasticamente sorridente. Apercebendo-se da gravidade da questão, e por estar convenientemente informado, afirmou:

“Eu sou igual a ti. Mas eu não sou como tu, tal como tu não és como eu. Nós os dois juntos não somos um. Logo não tentes ser como eu num dia, e como tu noutro. Eu sou o teu pólo negativo. Arranja os nomes negativos que entenderes. Não adiantará.”

“Sê quem és e serás respeitado. De uma forma ou de outra. Escolhe um lado e segue-o com as tuas forças. Porque quando reparares que agiste bipolarmente, arrepender-te-ás. E aí, apenas vai restar o pólo contrário àquele que tu julgavas ser antes.”