quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

[37] Fractal

Abro os olhos e dou comigo sentado numa cadeira metálica de qualidade discutível. Os meus braços estão apoiados numa mesa poeirenta com marcas de cola e de caneta, enquanto o balançar dos meus pés termina num radiador desligado. A sala está propositadamente a meia-luz, criando um ambiente propício a algo incómodo, que não sei bem identificar. Um espelho reflecte a minha pessoa, despenteada e bem mais magra que há um ano, e bem mais barbuda que há dois dias. Levanto-me, não alcançando pistas sobre o meu paradeiro. O meu ritmo cardíaco sobe e posso senti-lo nos meus pulsos. Bato à porta e chamo por alguém, de nome improvisado Januário. Ninguém responde. Provavelmente porque não haverá ninguém lá fora com tal nome.

A porta abre com estrondo no momento em que eu fazia um carrossel à volta da fantasmagórica sala. Um tipo de 1,80 de altura entra, a passos largos, fechando a porta com brusquidão. Dá-me a ordem para me sentar. Com um ar carrancudo, o tipo tinha cara de caso. Pergunto-lhe o que ali faço, e ele apenas refere que quem faz perguntas é ele próprio. Calo-me. O meu pulso subiu para 120. Talvez mais. Nunca fui hábil a medir pulsos. Só palmos. O tipo sentou-se à minha frente e eu tive um déjà vu. Eu tinha tido a mesma visão que tive anteriormente ao espelho. Mas qual espelho? Desviei a cabeça como quem coça o pescoço por causa de uma mosca e assustei-me. Eu continuava a ver-me ao espelho. Mas o tipo que estava à minha frente era tal e qual eu. Eu estava confuso, e ele decidido. Eu medroso e ele destemido. Eu nervoso e ele cinicamente tranquilo. Eu tensamente prostrado e ele sarcasticamente sorridente. Apercebendo-se da gravidade da questão, e por estar convenientemente informado, afirmou:

“Eu sou igual a ti. Mas eu não sou como tu, tal como tu não és como eu. Nós os dois juntos não somos um. Logo não tentes ser como eu num dia, e como tu noutro. Eu sou o teu pólo negativo. Arranja os nomes negativos que entenderes. Não adiantará.”

“Sê quem és e serás respeitado. De uma forma ou de outra. Escolhe um lado e segue-o com as tuas forças. Porque quando reparares que agiste bipolarmente, arrepender-te-ás. E aí, apenas vai restar o pólo contrário àquele que tu julgavas ser antes.” 

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