segunda-feira, 14 de novembro de 2011

[59] Vazios

Passeava eu à beira-mar, molhando os calcanhares na areia ensopada, enquanto inspirava a brisa marítima que me preenchia o peito e o meu próprio ego. Radiante, estava curioso por verificar o caminho de pegadas que deixei para trás, apesar de sabiamente assumir que as ondas já as teriam devorado. Ao fundo, uma empresa de extracção de areias executava o seu trabalho neste período ventoso de Outono, abrindo uma gigante cratera numa paisagem que antes fora contemplada por pintores de uma escola de belas artes.

Por muito que esta empresa interrompesse o seu trabalho e reenchesse o buraco, a paisagem original nunca seria reposta. A alteração das condições iniciais tem os seus efeitos nefastos na criação de um momento único e diferente de todos os outros. O vazio que outrora se apoderou da paisagem nunca será restabelecido como os pintores de belas artes o interpretaram. Será uma marca na eternidade, uma sombra no vazio, um sopro numa tempestade tropical. Quando fiquei lado a lado com a cratera, anuí a cabeça em relutância perante o acontecido, mas com a certeza de que nada haveria a fazer. A sociedade que nos domina constrói vazios onde não deviam existir e preenche vazios que deveriam ficar intactos. Relembro os meus vazios, que nunca serão preenchidos com uma brita ou argila igual, mas com um qualquer areal escaldante de esperança. Onde uma moldagem escultural se apresenta ao serviço, imponente e rejuvenescida, na procura do brilho perfeito daquele pôr-do-sol que aparece nos quadros de belas artes.

Depois de ultrapassar a cratera, e tal como as minhas pegadas anteriormente, não olhei para trás. O modo de construir muralhas num vazio destruído é interpretar o vazio como a base estrutural de algo melhor.