terça-feira, 15 de dezembro de 2015

[78] Andorinha

Despenteada, uma recém-nascida andorinha olhava o Mundo pelas primeiras vezes. Tudo à sua volta era colorido, simbiótico e uma mescla de odores e texturas contagiantes. Deixava-se estar junto da sua mãe no ninho, frágil e quente sob a tutela da sua progenitora. O conforto controlava e colocava agradavelmente as vendas sobre o mundo de fora. As pequenas palhetas onde se encostava definiam o mundo de dentro, tranquilo, sem perigos e sem predadores à solta. Olhava com orgulho para a sua mãe, destemida, a voar vezes sem conta e por tempos indeterminados, voltando sempre com um carinho e com algo que a ajudava a crescer. Um dia serei como ela, no mundo de fora.

À medida que crescia, a aventura e a ambição de voar tornavam-se pensamentos diários. Ser como os mais velhos, aventurar, voar e descobrir. Sentir o ar a trespassar as penas, num clímax de liberdade apenas sonhado. O sonho levava ao questionamento. Será que consigo? Imaginava-se a cair. E se não bato as asas como devo? Tal um cartoon animado, via-se como o Beep Beep a embater contra uma parede. O grande dia chegava. A grande mãezinha testava todas as crias para voar a uma baixa altura. Inspirava, expirava. Lembrava-se dos sonhos, mas também das perguntas que fazia a si própria. O coração batia mais forte que no dia em que descobriu o mundo de dentro. À beira do ninho, um passo definia tudo. Deu-o. Sensação de queda livre e asas a bater. Tão lindo. Música clássica de fundo. Cascas de pinheiro aproximavam-se perigosamente! Não há para-quedas aqui?? O embate foi violento e todas se riam lá de cima. Voltou tristonha ao seu mundo de dentro e mais de lá não quis sair. Cada novo teste era uma pressão, uma nova possibilidade de falhar. O não poder falhar sobrepunha-se ao acertar e as asas quebravam a cada vez que tentava.

Num dia de chuva, um bilhete caiu no seu ninho, mesmo na sua delicada cabeça. Olhou desconfiada à volta mas não viu ninguém. Desdobrou o húmido bilhete com dificuldade e leu: “O sucesso é a resposta dos audazes aos desafios mais difíceis. Respira fundo. Não penses. Bate as asas. E voarás.” Voltou a olhar para cima. Dobrou o bilhete. Olhou para o lado. Uma cria desconfiou. Ela fez um ar de desinteresse e limitou-se a pensar no que lhe escreveram.

Semanas depois, já se organizava nova sessão de comédia no mundo de dentro. Ela era a única que não tinha conseguido e duas crias já tinham seguido para outras paragens, independentes. O novo teste chegou. Ela aproximou-se do desnível. Inspirou. Expirou. Lembrou-se apenas dos sonhos. Viu-se apenas a bater as asas e a voar. Deixou-se ir. Com sobressaltos, conseguiu equilibrar o voo e não só não perdeu altura como a ganhou. Com um sorriso enorme no bico, piou de êxtase e pousou dez metros acima. Assim que pousou, um bilhete resplandecia: “Nunca duvidei que aqui chegarias, porque sei o quanto querias isto.” Alegre, a andorinha encheu o peito de ar e o seu canto ecoou na floresta.