quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

[10] O Quadro

No cimo de uma colina, sopra a brisa tumultuosa que me faz baloiçar as pestanas. Na pureza do ar que respiro, avalanches vibrantes de uma calma descontrolada percorrem-me os poros, saltando como rãs em nenúfares. As poucas nuvens que pigarreiam o céu olham, desconfiadas, umas para as outras, esperando por um reencontro improvável. A humidade do solo arenoso e verde-acastanhado penetra na ganga dos meus bolsos rotos e à espera de uns trocos sem sequer tocar à campainha. Nas minhas mãos, um qualquer rasto esverdeado deixado por uma silva escanzelada impele marcas visuais e olfactivas. E enquanto miro a linha do horizonte, impávida e poderosa, tu lá estás na minha imaginação, frágil e frontal, bela e simples, completa e misteriosa. Os teus olhos traçam setas, apontadas ao meu ego, na procura lunática de descobrir o que se passa dentro de mim. Os teus cabelos ao nível do pescoço balouçam como pêndulos constantemente impulsionados na alteração da paisagem perfeita.

As minhas mãos enterram-se no solo enlameado, enquanto o meu coração bate mais forte, coincidindo com uma brisa mais forte que me injecta arrepios na espinha dorsal. As codornizes levantam vôo na ávida procura de um melhor local para estar e aninhar as suas crias. As folhas caídas de Outono rebolam no chão como ratos assustados, enrolando-se nas minhas pernas por breves instantes antes de seguirem caminho para uma qualquer ribeira. Nesta imagem dignificante de um qualquer quadro à venda numa loja chinesa, estamos nos dois lados da barricada. Pensamos, olhamos, atingimos, respiramos, bombeamos, vivemos. Percorremos o mesmo caminho mas nunca nos cruzamos. Respiramos o mesmo ar mas nunca tornamos a nossa boca numa só. Vivemos no mesmo mundo mas nunca nos tornámos um só. Quando abro a tua porta, tu fechas a minha. Se eu te ofereço uma rosa, preferes magnólias.

Eu deito-me no húmus peganhento, respiro fundo, olho à volta e nada mais vejo senão o céu. Após me recompôr e sentir-me de novo voltar ao normal com umas calças imundas, apenas me pergunto:

Quem és tu?

Sem comentários: