Dia de São Valentim. O chamado “dia dos namorados”, ou “dia dos
solteiros”, no caminho oposto, mirando todos os que vivem de forma
inexoravelmente intensa aquilo que devia ser o dia-a-dia de uma relação. Um
pretexto para se venderem flores e entregar casais que andam à cabeçada aos
rumos do amor e dos elogios e dos bombons. Não os censuro, até porque já
atestei de variadas formas a necessidade de se quebrar a rotina. Quando é a
rotina que marca 364 dias de um ano, e não aquele dia 1, diferente dos outros.
Após mais um dia absolutamente normal, igual a tantos outros
rotineiros, decidi escrever uma carta. Mas não lhe coloquei selo, nem sequer
remetente. Porque não será entregue de qualquer forma. Porque haveria eu de me
dar a esse trabalho? Peguei numa folha pautada branca e numa fina caneta de
desenho e desenvolvi suavemente, ao ritmo da minha cerebral monotonia, o
manuscrito que não chegaria à caixa de correio.
Encontras-te mais perto do meu cérebro do que das minhas mãos de
pianista. Ouço-te ao longe como se saísses de dentro de um gramofone, riscado e
confuso. A tua cara é uma miragem, desenvolta num paraíso demasiado longínquo
para ser tornado realidade. A tua pele suave é como uma pena imaginária que
passeia por este quarto, a testar a minha resistência aos impulsos de te
agarrar contra mim. Mas nada disso importa, porque afinal de tudo, estás
desenhada na minha cabeça e vales mais que qualquer outra coisa que os meus
olhos desenhem para mim no meu dia-a-dia. Como um “descubra as diferenças”,
onde a primeira imagem é a tua, e todas as outras transformem o meu dia num game over, até te reencontrar algures.
Deitado na minha cama, reli a carta, não a assinei. Dobrei-a em três,
introduzi-a no envelope, lambi o invólucro e deixei-a na mesa-de-cabeceira.
Apaguei a luz, mas só via a carta. Pensei no que ela me poderia fazer sonhar.
Preferi não forçar o sonho e fazê-lo acontecer. Fechando os olhos, suspirei,
emanando o cheiro do papel que tinha acabado de fechar.
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