quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

[70] São Valente


Dia de São Valentim. O chamado “dia dos namorados”, ou “dia dos solteiros”, no caminho oposto, mirando todos os que vivem de forma inexoravelmente intensa aquilo que devia ser o dia-a-dia de uma relação. Um pretexto para se venderem flores e entregar casais que andam à cabeçada aos rumos do amor e dos elogios e dos bombons. Não os censuro, até porque já atestei de variadas formas a necessidade de se quebrar a rotina. Quando é a rotina que marca 364 dias de um ano, e não aquele dia 1, diferente dos outros.

Após mais um dia absolutamente normal, igual a tantos outros rotineiros, decidi escrever uma carta. Mas não lhe coloquei selo, nem sequer remetente. Porque não será entregue de qualquer forma. Porque haveria eu de me dar a esse trabalho? Peguei numa folha pautada branca e numa fina caneta de desenho e desenvolvi suavemente, ao ritmo da minha cerebral monotonia, o manuscrito que não chegaria à caixa de correio.

Encontras-te mais perto do meu cérebro do que das minhas mãos de pianista. Ouço-te ao longe como se saísses de dentro de um gramofone, riscado e confuso. A tua cara é uma miragem, desenvolta num paraíso demasiado longínquo para ser tornado realidade. A tua pele suave é como uma pena imaginária que passeia por este quarto, a testar a minha resistência aos impulsos de te agarrar contra mim. Mas nada disso importa, porque afinal de tudo, estás desenhada na minha cabeça e vales mais que qualquer outra coisa que os meus olhos desenhem para mim no meu dia-a-dia. Como um “descubra as diferenças”, onde a primeira imagem é a tua, e todas as outras transformem o meu dia num game over, até te reencontrar algures.

Deitado na minha cama, reli a carta, não a assinei. Dobrei-a em três, introduzi-a no envelope, lambi o invólucro e deixei-a na mesa-de-cabeceira. Apaguei a luz, mas só via a carta. Pensei no que ela me poderia fazer sonhar. Preferi não forçar o sonho e fazê-lo acontecer. Fechando os olhos, suspirei, emanando o cheiro do papel que tinha acabado de fechar. 

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