sábado, 7 de novembro de 2009

[4] A Chave

Quando, em certo panorama social, surgem propostas e conversas entre amigos, verifica-se muitas vezes, por mera curiosidade, a seguinte: “Então e se te pudesses caracterizar, como o farias?” Quem já não pensou naquilo que é ou não deixa de ser. As teimosias, as superstições, a simpatia, o “amigo do amigo”, a coragem, a maluquice. Enfim, um sem número de qualidades ou defeitos que eu levaria uns quantos dias a transcrever.

As pessoas têm por hábito não se auto-caracterizarem pela simples razão de não terem a capacidade de se observar a si próprias. De acharem, com razão, que serão as outras pessoas a fazê-lo com mais rigor. E serão com certeza, porque nós não podemos ser o leão na jaula e o turista de máquina fotográfica ao pescoço ao mesmo tempo. Eu defendo, apesar de tudo, uma perspectiva diferente. Sinto, através do meu “círculo” de amigos, que nunca me auto-caracterizei, nem nunca comentei o que outros possam ter usado para me definir. Primeiro que tudo, não me sinto confortável com o facto. Segundo, limita-me. Definirmo-nos no nosso carácter limita as nossas acções. Torna-as susceptíveis de serem avaliadas de modo azedo ou agradavelmente surpreendente porque “ele é assim, logo não deveria ter feito aquilo”. Se me auto-caracterizo de impulsivo e se fico impávido e sereno a assistir a uma cena de pancadaria pela qual sou responsável, o senso comum iria olhar para mim e não entender o que se passaria, porque o que deveria acontecer era eu arrear dois socos a cada um. Ou pelo menos tentar.

Neste momento, não me dirijo a ninguém em particular. Apeteceu-me deambular neste tema ao mesmo tempo que me recordava de uma frase que li num livro de Pascal Mercier, que acabei por relacionar com o tema da auto-caracterização: “A cegueira e ignorância alheia é a minha garantia de segurança.”

Deve haver dentro de nós uma caixa-forte onde ninguém consegue entrar, onde uma certa percentagem do nosso eu deve ter o seu espaço e o seu repouso. Mas, como é óbvio, temos a possibilidade de dar a chave a alguém para nos afirmarmos totalmente perante alguém da nossa confiança. Nos interstícios das possibilidades, temos a tomada de decisão.

E a minha decisão foi mandar a chave fora há um belo tempo...

2 comentários:

SurFeliX disse...

nice esse texto! mas mandaste a chave fora para onde? e se uma beldade a apanhar? conhece dp a caixa-forte e o teu espaço..! devias ter guardado a chaveee

viszontlátásra
ou melhor dizendo güle güle/do widzenia

JPGarcia disse...

thanks ;)
tudo isso é subjectivo, podíamos especular sobre onde a chave teria caído. será melhor mandar a chave para um poço fundo onde anos mais tarde um velho jarreta passa e apanha? ou esconder no quarto e alguém próximo saber mais do que nós queremos que saiba? ;)
Interpreta como entenderes ;)
Grande abraço.