segunda-feira, 26 de abril de 2010

[23] Velha Guarda

Num dia caloroso e convidativo, uma senhora jovial, morena e impaciente mirava pela janela do seu quarto o Mundo que a rodeava. Nas ruas preenchidas por carros, pessoas, cães, respectivos dejectos e mesclas agoniantes de sons e aromas, observava o quão previsível e impetuoso o ser humano é. Como o senhor do 5º esquerdo que mudou de carro, como a rapariga do 3º direito que mudou de namorado, como a velha ranhosa dois prédios à frente comprou um canário para juntar à sua gaiola suja, como o merceeiro tinha um novo telemóvel touch-screen. Abanava a cabeça em discordância, enquanto coleccionava mais exemplos no mínimo, perturbantes.

Abandonou o quarto, dirigindo-se à cozinha e preparou um chá, daqueles que já se encontram com dificuldade por serem da velha guarda. Enquanto colocava as habituais duas colheres de açúcar, ligava a televisão para se distrair. Não durou dez minutos, absorvida por anúncios publicitários dobrados a partir de espanhol e soluções miraculosas para mudar a sua vida por apenas dois euros. Desligando a televisão, abandonou a cozinha e correu para o seu sofá, sentando-se. Meneando a cabeça, explodiu de inércia e ali se manteve. Pensando em como o ser humano é tão sedoso de mudança.

Porque tudo o que permanece, satura. Porque tudo o que inova, tem que ser comprado. Porque aquilo que não muda e que devia mudar, nunca mudará. Porque mesmo que se tenha algo bom, não se dá o devido valor até ao momento que se deixa de o ter. Porque é quando se quer mudar que raramente se consegue. Porque a vida tem mais valor se abrirmos os horizontes, onde haverá sempre alguém para os fechar por nós. Porque o risco só tem um lado visível, que é o mau.

Mas a senhora, agitando a sua chávena de chá já algo frio, tentava ver mais além. Via o Mundo como um único lugar de fascínios e oportunidades, onde o risco pode significar uma experiência inesgotável de karma e riqueza interior. Onde a vontade de mudar nos altera internamente para lutar por objectivos, provando a todos o nosso lado. Porque ter algo bom, é simplesmente “bom”.

E ela só queria que a velha ranhosa percebesse que o lado “bom” da casa dela era o periquito que já lá vivia há cinco anos.

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