terça-feira, 20 de abril de 2010

[22] Vides

Acamado e tranquilo, um lenhador na casa dos noventa anos fixava o tecto pela quadragésima vez num espaço de horas. Sem nada para fazer e anafado pela solidão, sentia que tinha um caminho a percorrer, e não era levantar-se da cama e fazer jogging. Com a voz rouca e acenando devagar ao mordomo, pediu para chamar todos os elementos da família que em casa se encontravam. Pouco depois, e ordeiramente como um rebanho, um após o outro entraram no quarto, entreolhando-se num misto de surpresa e tristeza. O lenhador mantinha-se compenetrado e com um sorriso tímido nos lábios, perdendo-se no vazio. Quando os oito elementos, entre filhos, sobrinhos e netos, circundaram a cama, muitos deles fixavam o chão, receando o que iam ouvir. Entre sussurros e segredos, todos se calaram quando ele levantou a mão, chamando e falando ao ouvido do mordomo. Este, ao ouvir o que o lenhador pediu, assentiu, franzindo o sobrolho.

O mordomo pegou em oito vides, dando uma a cada um dos presentes. E depois de mais oito sobrolhos franzidos, o lenhador disse para todos partirem o ramo que tinham nas mãos. Com olhares denunciadores de um qualquer desequilíbrio mental do pobre senhor, estalaram pedaços de videira e facilmente todos ficaram com uma metade em cada mão.

Imediatamente a seguir, o mordomo pegou em mais oito, juntou-as e deu-as ao filho mais velho. Sem saber o que fazer com os oito ramos na mão, o lenhador pediu-lhe que os partisse. Contorcendo-se e cortando a mão, não conseguiu. Entregou o molho de vides com uma pequena mancha de sangue ao seguinte, não havendo ninguém capaz de quebrar o molho. O lenhador, sorridente, contemplava-os e esperou que todos terminassem. Pouco depois, falou:

“Será a última vez que vos falo. Eu sou uma das vides, cada um dos vocês também o é. Se nos mantivermos unidos, ninguém será capaz de nos aniquilar, destruir ou mesmo incomodar. Porque a nossa força está na união. E é na união que tudo se resolve.”

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