segunda-feira, 12 de abril de 2010

[21] Balança

A sala está escura. A pouca luz que se intromete neste espaço entra sorrateiramente pelas fendas de uma persiana desalinhada. No centro geométrico deste espaço, e por cima de um tapete persa poeirento, encontra-se uma mesa. Retocada, envernizada de 4ª demão e algo peneirenta. Ali se situa a fulcralidade da balança. Esta, com vários pesos em ambos os pratos, apenas meneia com a pequena corrente de ar que uma janela pode provocar. Amanhã, um peso que estava tão bem disfarçado num dos pratos, vai cair. Simplesmente sei disso. Mas não sabia, ou não me lembrava, ou não queria saber, ou não me queria lembrar. O peso vai cair redondinho na fenda que está aberta no chão madeirento e empestado de bichos. Até o encontrar nas tubagens ou nos interstícios da minha casa, poderão ser meses e meses de angústia. Mas a verdade é que o prato vai desequilibrar, e a imagem perfeita desta sala classicamente decorada vai ser alterada. Que posso fazer para a recolocar no devido local? Nada. Resta-me aceitar que a balança assim ficará.

Cada um de nós é uma balança onde pesos equilibram-nos afectiva, social, mental e psicologicamente. As circunstâncias da vida obrigam-nos a abdicar, a lutar, a viver e a amar os pesos que impavidamente preenchem os nossos pratos. Amanhã vou ver um cair da balança, que nunca pensei que pudesse ainda ter este tamanho. Mas a vida ensinou-me algumas coisas. E uma é que vou ter de olhar para os pesos que restarem, e num passo de magia torná-los maiores e mais pesados para que tudo fique como estava antes. Sim, porque ninguém falou em equilibrar os pratos. Isto porque muito poucos serão os que têm um total equilíbrio na sua balança num dado momento da sua vida.

Até porque a vida é um jogo de colocação e retirada constante de pesos. E esse jogo vicia-nos de tal maneira que, por vezes, perdemos alguns pesos e nunca mais os vemos.

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