Despenteada, uma recém-nascida andorinha olhava o Mundo pelas primeiras
vezes. Tudo à sua volta era colorido, simbiótico e uma mescla de odores e
texturas contagiantes. Deixava-se estar junto da sua mãe no ninho, frágil e
quente sob a tutela da sua progenitora. O conforto controlava e colocava
agradavelmente as vendas sobre o mundo de
fora. As pequenas palhetas onde se encostava definiam o mundo de dentro, tranquilo, sem perigos
e sem predadores à solta. Olhava com orgulho para a sua mãe, destemida, a voar
vezes sem conta e por tempos indeterminados, voltando sempre com um carinho e
com algo que a ajudava a crescer. Um dia
serei como ela, no mundo de fora.
À medida que crescia, a aventura e a ambição de voar tornavam-se
pensamentos diários. Ser como os mais velhos, aventurar, voar e descobrir.
Sentir o ar a trespassar as penas, num clímax de liberdade apenas sonhado. O
sonho levava ao questionamento. Será que
consigo? Imaginava-se a cair. E se
não bato as asas como devo? Tal um cartoon
animado, via-se como o Beep Beep a embater contra uma parede. O grande dia
chegava. A grande mãezinha testava todas as crias para voar a uma baixa altura.
Inspirava, expirava. Lembrava-se dos sonhos, mas também das perguntas que fazia
a si própria. O coração batia mais forte que no dia em que descobriu o mundo de dentro. À beira do ninho, um
passo definia tudo. Deu-o. Sensação de queda livre e asas a bater. Tão lindo.
Música clássica de fundo. Cascas de pinheiro aproximavam-se perigosamente! Não há para-quedas aqui?? O embate foi
violento e todas se riam lá de cima. Voltou tristonha ao seu mundo de dentro e mais de lá não quis
sair. Cada novo teste era uma pressão, uma nova possibilidade de falhar. O não
poder falhar sobrepunha-se ao acertar e as asas quebravam a cada vez que
tentava.
Num dia de chuva, um bilhete caiu no seu ninho, mesmo na sua delicada
cabeça. Olhou desconfiada à volta mas não viu ninguém. Desdobrou o húmido bilhete
com dificuldade e leu: “O sucesso é a
resposta dos audazes aos desafios mais difíceis. Respira fundo. Não penses.
Bate as asas. E voarás.” Voltou a olhar para cima. Dobrou o bilhete. Olhou
para o lado. Uma cria desconfiou. Ela fez um ar de desinteresse e limitou-se a
pensar no que lhe escreveram.
Semanas depois, já se organizava nova sessão de comédia no mundo de dentro. Ela era a única que não
tinha conseguido e duas crias já tinham seguido para outras paragens, independentes.
O novo teste chegou. Ela aproximou-se do desnível. Inspirou. Expirou.
Lembrou-se apenas dos sonhos. Viu-se apenas a bater as asas e a voar. Deixou-se
ir. Com sobressaltos, conseguiu equilibrar o voo e não só não perdeu altura
como a ganhou. Com um sorriso enorme no bico, piou de êxtase e pousou dez
metros acima. Assim que pousou, um bilhete resplandecia: “Nunca duvidei que aqui chegarias, porque sei o quanto querias isto.”
Alegre, a andorinha encheu o peito de ar e o seu canto ecoou na floresta.